CRÔNICAS

Stradelli: as vozes da floresta

Em: 07 de Abril de 2013 Visualizações: 22119
Stradelli: as vozes da floresta

 

O rio fala, a floresta fala e os índios falam através das fotos que o conde italiano Ermanno Stradelli (1852-1926) fez na Amazônia, no século XIX. Essas vozes serão ouvidas em São Paulo, a partir desta quarta-feira, 10 de abril, quando depois da abertura da exposição organizada pelo Instituto Italiano de Cultura no Memorial da América Latina, estreará o filme "O filho da cobra" do cineasta italiano Andreas Palladino, seguido de mesa-redonda com pesquisadores italianos e brasileiros. A exposição fica no Pavilhão da Criatividade, até o dia 20 de maio e bem que merecia ser levada depois a Manaus, junto com o filme, para ser apreciada pelos amazonenses.
Foi justamente lá, na periferia de Manaus, que Stradelli morreu, solitário e pobre, num casebre improvisado em leprosário. Foi enterrado no cemitério de Paricatuba, em 24 de março de 1926. Ele nasceu rico, num castelo na Itália, viajou para o Amazonas onde viveu mais de 43 anos. Com recursos próprios, percorreu florestas, rios e igarapés, aprendeu a falar o Nheengatu e se apaixonou pelas histórias que os índios contavam. Coletou e registrou mitos. No final, contraiu lepra. Com o corpo deformado pelas chagas, foi enxotado de hotéis, de pensões e até mesmo de hospitais, segundo seu biógrafo, Câmara Cascudo, que destaca o legado de imagens e narrativas registradas.
As fotos
Tive a sorte, em 2008, de visitar o Colégio Romano onde Stradelli deu palestras sobre o Amazonas. Guiado pelo documentarista Andrea Palladino, naquela ocasião consultamos nos arquivos da Sociedade Geográfica Italiana, em Roma, mais de 80 fotos das expedições do Conde pela Amazônia entre 1887 e 1889, algumas amareladas pelo tempo, mostrando rios, paisagens, índios, barcos, malocas, Manaus e suas ruas, avenidas, praças, a catedral, o porto. Numa delas, com uma legenda bem humorada feita pelo Conde - Como se acende um fósforo - aparece o botânico Barbosa Rodrigues, vestido de paletó e gravata, no meio do mato, entre os índios Waimiri.
Para essa exposição "A Amazônia de Stradelli - rios, povos e lendas sob o olhar de um explorador italiano" foram selecionadas 64 fotografias, mapas e cartas originais do Conde, que viveu com os índios e registrou o que viu. Ele entrava nas aldeias com sua farmácia portátil, equipamentos topográficos, caixas para recolher material ornitológico e entomológico, máquina fotográfica, microscópio e outros aparelhos que, inicialmente, assustavam os índios. Ele, então, levava cada índio para ver os instrumentos, tocar neles e verificar como funcionavam. Dessa forma, o tuxaua Mandu descobriu que “a máquina fotográfica servia também para matar formigas”, quando observou que os ácidos fixadores caídos em cima de um formigueiro agiram como um poderoso formicida.
"Sou fotógrafo e minha primeira obrigação é para com o público pagante. Assim é o mundo" - escreveu Stradelli para a Sociedade Geográfica Italiana no dia 4 de março de 1889, explicando que gostaria de ter escrito um relatório sobre o Purus, mas não havia sido possível. Acrescentou: "Como, por enquanto, sou fotógrafo, ao invés de relatórios, envio-lhes fotografias" - conforme carta publicada por Teresa Isenburg, em seu livro "Naturalistas italianos no Brasil".
Mas quem começou a se interessar pela vida do conde Stradelli foi Câmara Cascudo, em 1930, quando viu três cadernos volumosos com milhares de verbetes escritos à mão. Era o dicionário Nheengatu-Português, Português-Nheengatu. Impressionado com a obra e com a vida trágica do autor, Cascudo decidiu correr atrás de mais dados. Numa carta ao então governador do Amazonas, Álvaro Maia, Câmara Cascudo se queixa da cortina de silêncio e da inexistência de documentos. Sobre o seu biografado, ele encontrou apenas dois artigos publicados, um no Diário Oficial do Amazonas, e outro em O Jornal de Manaus, além de breves notas em quatro livros.
- “Quase nada se sabia dele. Morrera em 1926 e seu nome se diluíra na sombra, como uma inutilidade. Raras citações. Raríssimos informadores. Percentagem altíssima em erros, enganos, omissões” - escreve Cascudo, que não encontrando documentos fidedignos, resolveu criá-los. Escreveu oitenta cartas a familiares e amigos de Stradelli: professores, jornalistas, viajantes, padres, bispos, embaixadores.
Muita gente respondeu com depoimentos, entre os quais o padre jesuíta Alfonso Stradelli, o caçula, que lembra as cartas mensais enviadas pelo irmão mais velho à sua mãe, com notícias detalhadas das viagens pela Amazônia e histórias contadas pelos índios. Embora o arquivo particular da família não tivesse sido consultado, o material coletado permitiu traçar um perfil do personagem. A infância de Stradelli no castelo de Borgotaro – residência senhorial da família, os estudos na Universidade de Pisa, os primeiros versos, o encantamento com os índios, as rotas e a cronologia das viagens pelos rios da Amazônia – tudo isso ganha contorno mais nítido no livro de Cascudo.
Memória do Conde
Concluída a biografia, seu autor convenceu o Governo do Estado do Amazonas a editá-la em 1936, com o sugestivo título – Em Memória de Stradelli. Esse livro teve o cuidado de revelar como é que o Conde fazia quando queria conhecer algum aspecto da vida da Amazônia: o trabalho de campo. Ele mergulhava na realidade e ia ver de perto, conversar com as pessoas, anotando e fotografando tudo.
Stradelli intuiu que o pesquisador decidido a conhecer uma sociedade que lhe é estranha devia partir do interior dela, impregnando-se da mentalidade de seus integrantes e esforçando-se para pensar na língua deles. Para entender um ritual onde rolava o caxiri, Stradelli deixou que os índios pintassem o seu corpo e dançou convictamente com eles na maloca de Miriti-Cachoeira, “bebendo repetidas cuias de capy entontecedor”. Aprendeu as línguas indígenas e viveu com os Tukano e Tariana, observando e registrando suas tradições. Com eles, comeu paca moqueada, beiju, quinhapira e “molhou os lábios no molho estonteante das pimentas”.
O resultado foi a publicação de textos dispersos por jornais e revistas especializadas da Itália e do Brasil, um poema sobre Ajuricaba, um vocabulário em língua Tukano, o dicionário clássico de Nheengatu, mapas geográficos do Amazonas, e versões variadas de mitos indígenas. Stradelli revelou que Jurupari era um herói civilizador, criador dos usos, leis e preceitos transmitidos pela tradição oral, retirando dele a imagem do diabo criada por missionários.
O filme de Andrea Palladino, que será lançado com a presença do diretor, mistura documentário e ficção para contar, em 50 minutos, a história de Stradelli, o filho da Cobra Grande, que ainda hoje, mais de cem anos depois, continua sendo lembrado pelos xamãs do Alto Rio Negro. Descreve como a única empresa de navegação que fazia a ligação com a Europa, em 1923, recusa a levar o Conde leproso para a Itália, o que o obriga a se internar no leprosário do Umirizal, onde conhece Nininha, filha de ex-escravos. É ela que, no documentário, narra as histórias de Stradelli que lhe ensina noções básicas de Nheengatu, a primeira língua dos amazonenses. Para isso, o documentário se baseia nos textos dos diários de Stradelli.
Muitas dessas questões serão discutidas nesta quinta-feira, 11 de abril, no Memorial da América Latina, em São Paulo, durante a Jornada de Estudos: Ermano Stradelli na Amazônia que acontecerá no Auditório do Anexo dos Congressistas, com a presença do Cônsul Geral da Itália, Mauro Marsili, do diretor do Istituto Italiano di Cultura Attilio De Gasperis e do presidente da Società Geografica Italiana, Franco Salvatori.
Os organizadores convidaram especialistas de peso como Sérgio Medeiros, da Universidade Federal de Santa Catarina, que tem várias publicações sobre o tema e vai falar sobre "O mundo das imagens na Lenda de Jurupari de Stradelli". Entre os pesquisadores da Itália estão Nadia Fusco, diretora do Acervo Fotográfico da Sociedade Geográfica Italiana, Ettore Finazzi Agró, da Universidade La Sapienza de Roma e Aniello Angelo Avella que estarão conversando com pesquisadores do Amazonas, entre os quais Antônio Loureiro, presidente do Instituto Geográfico Histórico do Amazonas, Selda Vale da Costa e este locutor que vos fala.
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PR0GRAMAÇAO: ver site do Istituto Italiano -  www.iicsanpaolo.esteri.it.

JORNADA DE ESTUDOS: ERMANNO STRADELLI NA AMAZÔNIA

      11 Aprile 2013,   Auditório do CBEAL -  Anéxo dos Congressistas, Memorial da América Latina

Organizado pelo Istituto Italiano de Cultura, .em parceria com o Centro Brasileiro de Estudos da América Latina.

Participarão ilustres estudiosos e pesquisadores das principais universidades brasileiras e italianas  que, sob diferentes perspectivas – histórico-geográfica, antropológica, literária, – propiciarão ao público conhecer a personalidade de Stradelli,  extraordinário viajante que muito contribuiu com a etnografia da Amazônia e que pode ser considerado um verdadeiro mediador cultural entre as civilizações indígenas e o mundo dos “civilizados”.

Como parte da programação, haverá a apresentação do filme Ermanno Stradelli. O filho da cobra grande (2013) do cineasta italiano Andrea Palladino.

O encontro é aberto ao público e não necessita de inscrição prévia; serão fornecidos certificados de presença.

Programa

10h00

Prof. Dr. João Batista de Andrade, Presidente da Fundação Memorial

Min. Mauro Marsili, Cônsul Geral da Itália

Prof. Dr. Attilio De Gasperis, Diretor do Istituto Italiano di Cultura de São Paulo

Prof. Dr. Franco Salvatori, Presidente da Società Geografica Italiana

10h30

Prof.ª Dra. Nadia Angela Fusco (Responsável do Acervo Fotográfico da Sociedade Geográfica Italiana) : L'esplorazione italiana alla fine dell'Ottocento tra scoperte scientifiche, mire espansioniste e ambizioni personali. 

Prof. Dr. Antônio Loureiro (Presidente do Instituto Geográfico Histórico do Amazonas;   Cadeira Stradelli na Academia Amazonense das Letras) :  As andanças de Ermanno Stradelli

Prof. Dr. Ettore Finazzi Agrò (Università degli Studi di Roma “La Sapienza”) : Passagens, passeios, passos perdidos: Ermanno Stradelli e os relatos de viagens

Prof.ª Dra. Selda Vale da Costa (Universidade Federal do Amazonas) : A fotografia de Ermanno Stradelli

15h30

Prof.ª  Dra. Aurora Fornoni Bernardini (Universidade de São Paulo) :  Ermanno Stradelli: vida, lendas e viagens

Prof.  Dr. Aniello Angelo Avella  (Università degli Studi di Roma Tor Vergata – Universidade Estadual do Rio de Janeiro) : Stradelli e os italianos na Amazônia da época da borracha

Prof. Dr. José Ribamar Bessa Freire (UNI-Rio, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e UERJ - Universidade do Estado do RJ) :  Stradelli, o nheengatu e a literatura da floresta

Prof. Dr. Sergio Medeiros  (Universidade Federal de Santa Catarina) :  O mundo das imagens na Lenda de Jurupari de Stradelli

Conversa com o Dr. Andrea Palladino, diretor do filme Ermanno Stradelli. O filho da cobra grande - 2013)

 18h00  - Apresentação do filme Ermanno Stradelli. O filho da cobra grande (52’), Sala Video do Pavilhão da Criatividade.

 

 

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15 Comentário(s)

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Elizabete Aielo (Blog Amazonia) comentou:
14/04/2013
Se alguém pesquisar o estado de Mato Grosso,Cuiabá,antiga verá que lá também teve desbravadores italianos,como Luiz Senatore e seu irmão Antônio Senatore,como soube à muitos anos atrás.
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Claudia Gandiol (Blog Amazonia) comentou:
14/04/2013
Claudia campinas/sp, que bom ter havido a iniciativa de alguns profissionais ressaltarem o trabalho deste grande homem, mesmo com cem anos de atraso, parabens...
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Ana Silva comentou:
08/04/2013
Linda homenagem ao Stradelli e uma programação imperdível!
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Janne Alves de Souza (via FB) comentou:
07/04/2013
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Paulo Maya comentou:
07/04/2013
Quisera eu estar em sampa! Nheengatu neles!
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Paulo Maya comentou:
07/04/2013
Quisera eu estar em sampa! Nheengatu neles!
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Leda Beck (via FB) comentou:
07/04/2013
Esplêndido, esplêndido programa para quarta e quinta, 10 e 11 de abril, no Memorial da América Latina, em São Paulo! Imperdível!
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José Varella (via FB) comentou:
07/04/2013
De Stradelli para o pastor Feliciano: Dulce Rosa Rocque ..."Stradelli revelou que Jurupari era um herói civilizador, criador dos usos, leis e preceitos transmitidos pela tradição oral, retirando dele a imagem do diabo criada por missionários." Jetro Fagundes
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Dulce Rosa Rocque (via FB) comentou:
07/04/2013
kkkkkkkkkkkk o pastor precisa aprender isso enquanto está em Belém. Zé, a região Emilia Romanha, quando fez oi dvd sobre o Landi, tinha inaugurado uma linha cultural de personalidades italianas famosas fora de casa, a exemplo de Landi, que ninguem sabia da sua existencia até 'eu' apresenta-lo aos bolonheses em 2000. Os dvds eram somente de pessoas da região. Tem um sobre o construtor de fortalezas na america Central/Sul. Esse Stradelli deve ser de Parma, portanto na Emilia Roimanha, mas o Gallo de onde era?
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José Varella (via FB) comentou:
07/04/2013
Mestre Stradelli: uma lição de vida para o conhecimento da Amazônia profunda. Comparável à aventura de um outro italiano (menos famoso) que se amazonizou de corpo e alma, Giovanni Gallo, inventor do que pode ser considerado o primeiro eco-museu brasileiro, mas o IBRAM não quer saber por que os políticos paraenses não se interessam... Claro que museu não dá votos e no extremo-norte do patropi ainda poderia tirar alguns pilantras dos cargos onde se passam por grandes protetores da pobreza www.museudomarajo.com;br
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José Miguel comentou:
07/04/2013
No dia 14 de abril começa, aqui em Manaus, o XVII Festival Amazonas de Ópera (FAO). Professor , com quem a gente deve falar para trocar a ópera por essa exposição ? Robério? Omar? ou o papa? Contato de José Miguel
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Soraia Zanzine comentou:
06/04/2013
O Brasil desconhece o Brasil. Ainda bem que há italianos que souberam respeitar os nativos deste continente...por ser descendente de italianos, trabalhar com os guarani há dez anos em São Paulo no CECI JARAGUA, sei do que meu conterrâneo viveu, amou e quiz proteger. Congratulo-me com o consulado Italiano por esta bonita homenaem....mais que merecida.
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Paulo Bezerra comentou:
07/04/2013
Tivemos outra italiana, a irmã Bruna que fazia trabalhos missionários com jovens e com hansenianos de Paricatuba. Como Stradelli, contraiu hanseníase e passou a morar definitivamente em Paricatuba, vindo a falecer logo após.
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Priscila Faulhaber comentou:
06/04/2013
Eu também sou admiradora de Stradelli desde os anos 80, quando conversei com antigos moradores de Tefé. Quando eu lhes disse que era pesquisadora, o Sr Melo me disse que conhecera há muitos anos um homem que de tanto viajar na Amazônia, a pesquisa o comeu por dentro. Foi o meu primeiro contato com Stradelli. Contato de Priscila Faulhaber
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