CRÔNICAS

Manaus, uma cidade rachada ao meio

Em: 19 de Novembro de 1996 Visualizações: 7709
Manaus, uma cidade rachada ao meio

- Eles podem matar uma, duas, três rosas, mas não conseguirão deter a primavera.

As rosas foram todas despetaladas. O jardim saqueado. A prima Vera, detida pelo Klinger Costa quando abastecia seu carro no Posto Equatorial da Cachoeirinha. Apesar disso, continuamos repetindo a mesma lenga-lenga depois de cada derrota eleitoral.

Diga lá, cara (o) leitor (a), quantas eleições nós já perdemos juntos nos últimos vinte anos? Foram tantas - presidenciais, federais, estaduais, municipais e até sindicais - tantos "ais" que até já perdi a conta. Depois, tentamos nos consolar com algumas frases de efeito.

Uma delas, muito bonita, de autoria do Henfil, transformou-se no lema dos derrotados:

- Se não houver frutos, valeu a sombra das folhas.Se não houver folha, valeu a força dos galhos. Se não houver galhos, vale a intenção da semente.

Pois é, sinceramente, não aguento mais ouvir essa cantilena. De tão usada, ficou mais desgastada do que "Manaus é uma noivinha" repetida pelo Sujoé Filho na Rádio Difusora.

Desta vez, juro, leitor (a), que vou te poupar da retórica bombástica, porque como diria a Magda, "frases bonitas não movem moinhos". Detrás das palavras enfeitadas, distribuídas em doses homeopáticas como xarope para curar ressaca eleitoral, está a ideia de que derrota é doença contagiosa. Devemos esconder dos outros e de nós mesmos que estamos contaminados pelo vírus do fracasso.

Mas isso é uma deformação. A derrota faz parte do jogo democrático. Por isso, vamos assumi-la com todas as letras. Grita comigo, leitor (a), berra com todos os pulmões para que eles nos ouçam: "PERDEMOS". E daí?

É. É difícil. Eu sei. Mike Tyson tem razão: perder dói. Por isso, sinto vontade, meu leitor (a) e meu parceiro (a), de me solidarizar contigo, de renovar nosso pacto de cumplicidade, de curar as tuas e as nossas feridas. Soprarei de leve para o merthiolate não arder. Depois, te servirei, num copo de plástico, o mingau da Otalina para te reconfortar. O sopão da Otalina levanta cadáveres.

Dói perder? Dói sim. Sobretudo quando a derrota adia um sonho coletivo trucidado por um adversário rancoroso e arrogante. Vocês leram a nota "Ao Povo de Manaus"? Nela, o governador Amazonino demonstra que não desceu ainda do palanque, insulta o candidato Serafim Correa, tratando-o de "moleque corrupto e cachorrinho do SNI", isto colocado malandramente em boca alheia, mas destacado perversamente em negrito, na primeira página do jornal.

Desta forma, o governador agride e ofende, pelo menos, 49,73% dos eleitores de Manaus. Futuca nossas feridas. Tripudia. Espezinha. Ameaça quem não votou no seu candidato. Isso não é postura de governador.

Na nota do Amazonino, o Cabo Pereira é chamado de doutor - que ridículo! - e num passe de mágica é transformado em grande orador. Sabem porque o Cabo ganhou? Pasmem! Venceu porque, qual Demóstenes do Agreste, "em três memoráveis debates", arrasou com seu oponente, que não passa de um "ouropel, um blefe". É delirante. Amazonino decididamente não sabe ganhar. Falta-lhe grandeza.

A cidade está partida, rachada ao meio. A correlação de forças mudou. Todo mundo sacou. Mas Amazonino finge, por conveniência, que não percebeu. "Vamos ganhar com 20 mil votos de diferença" - ele declarou aos jornais no dia da eleição. Quase perde. A Marta Rocha não se elegeu miss universo por duas polegadas a mais nos quadris. Nem por isso deixou de ser bela. Nós perdemos por um triz, por um cabelinho de pulga, meio por cento de votos fornecidos por eleitores desinformados e ingênuos da periferia. Nem por isso a Oana deixa de ter razão: meio por cento vai fazer uma diferença enorme.

Reconhecemos nossa derrota e, portanto, a vitória do adversário. O Cabo Pereira é o prefeito que Manaus escolheu nas condições que todos sabemos.

Venceu a falta de ética. O descompromisso com o social. A truculência. O jogo bruto. O peso da grana. A falta de escrúpulos. A exploração a ignorância. A chantagem. A propaganda enganosa. A prepotência e a baixaria. O uso da máquina. O abuso do Poder. A intimidação. A compra do voto. A troca de favores. Os interesses mesquinhos. O método Egberto Podrão. O modelo collorido.

Diante da enxurrada de votos indignados que jorraram como cascata das urnas da 1ª, 2ª  e 32ª  Zonas Eleitorais, onde Serafim Correa lavou a égua, ficou claro para nós que eles ganharam, mas não levaram. Portanto, nós perdemos, mas algo levamos. Resta avaliar o que perdemos e o que ganhamos.

Em primeiro lugar, perdemos - é verdade - aquilo que era mais importante. No dia 1º de janeiro, quem vai assumir a Prefeitura é o Cabo Pereira, com Caco Antibes, talvez, como seu secretário de Finanças. Nós vamos ficar chupando din-din de buriti com dor de corno. O nosso projeto coletivo foi derrotado. Vai ter que esperar, pelo menos, quatro anos. O sonho que sonhamos para nossa cidade virou pesadelo. Não tem frase bonita que esconda tal fracasso. Eles ganharam. Na urna e na porrada. Eduardo Braga que o diga! E a Escola Técnica que o confirme.

Aceitamos, pois, a derrota e procuramos tirar dela uma lição de vida:

- "Os bons - como quer Bertold Brecht - perdem não porque são bons, mas porque são fracos".

Vamos, então, nos fortalecer. Eia! Sus!

O que ganhamos? O despertar de nossa cidade, de sua consciência cidadã. Uma parte expressiva de Manaus acordou mesmo e deu o exemplo para a outra metade, que ainda está se espreguiçando. Se tivermos paciência e sabedoria, convenceremos aqueles eleitores decentes do Cabo - eles existem e merecem respeito - sobre o nosso projeto alternativo para a cidade de Manaus. Apenas uma minoria não despertará nunca, porque está em coma profundo, como observa com propriedade uma leitora.

Não ganhamos, mas levamos, porque descobrimos, encantados, que não somos uma minoria isolada, voz solitária clamando no deserto. Hoje somos uma força política articulada, com capacidade de fiscalizar a administração do Cabo Pereira. Não por vingança ou por despeito, mas como um exercício legítimo de cidadania. Vamos ficar no pé deles. Exigir que cumpram o que prometeram. Se conseguirmos obrigar o Cabo a realizar pelo menos 10% de suas promessas para a periferia, já estamos no lucro.

Reconhecer a derrota não significa assumir postura derrotista. Perdemos a eleição, mas não perdemos o último bonde, nem a esperança. Como diz Erundina, "somos como as mães da Praça de Maio para quem a única batalha que se perde é aquele que se abandona". Sem qualquer bravata: eles vão ver o que é bom pra tosse.

Diga lá, cara leitora, quantas eleições nós já perdemos juntos?

Deixo a resposta com Luzia, uma leitora inteligente e sensível que me leu por telefone esta frase de Darcy Ribeiro em seu livro "O Brasil como problema":

- "Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas. Mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram essas batalhas".

É melhor perder mil vezes lutando por um projeto como o defendido por Serafim, do que ganhar um só vez com a trinca Amazonino-Cabo-Braga. Mas isso eles não compreenderão jamais.

 

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1 Comentário(s)

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samuel lucas vasconcelos de moura comentou:
11/04/2017
Ola Bessa, falta voce atualizar as cronicas do \"ezio, o puxador\" e \"o passado dos candidatos: terapias de vidas passadas\". Fico no aguardo. Obrigado.
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