CRÔNICAS

As filhas de Katie Elder ou as jararacas pico-de-jaca

Em: 26 de Novembro de 1996 Visualizações: 7169
As filhas de Katie Elder ou as jararacas pico-de-jaca

.A coluna "Taqui Pra Ti" foi sequestrada por nove jararacas pico-de-jaca. São elas que, em nome de uma representatividade, mandam nesse espaço, definem os temas semanais e depois me comunicam sobre o que devo escrever. Refém que sou, não passo de um mero porta-voz delas. Essa é que é a verdade.

Quem são essas cobras criadas? Lembra daqueles filmes americanos de bang-bang que lotavam as sessões do Cine Guarani? Os títulos eram sugestivos: "Meu ódio será sua herança", "Sem lei e sem alma", "A morte não manda recado". E por aí vai. O caráter épico da narrativa se acentuava, quando o papel de herói era desempenhado por mulheres, corajosas, que saiam prá porrada.

Pois é. As nove jararacas que sequestraram esta coluna saíram de um filme desses do tempo das diligências, intitulado "As filhas de Katie Elder". Ops!. Pera lá. Agorinha, acabo de ser assaltado por uma dúvida: eram filhas ou filhos? Ih, parece que eram marmanjos! Não importa. A Katie Elder nos perdoará por essa troca, porque o cenário da crônica de hoje exige que sejam mulheres. Filhas. Sim, agora tenho certeza: eram filhas. Se não era, fica sendo.

Vamos adiante. Filha de peixe, peixinha é? Há tempos, recebi um telefonema da dona Elisa:

- José, você viu o jornal hoje, meu filho?

Não. Eu não havia visto. Então, ela leu a notícia para mim: da tribuna da Câmara, um vereador ressarcido me desafiava publicamente para um debate, duelo ou coisa-que-o-valha. Ameaçava cobrir-me de cascudos. Tirei por menos. Contemporizei:

- Deixe prá lá, mãe. Isso é leseira, provocação barata.

Mas dona Elisa não deu refresco. Foi imperativa:

- Deixa prá lá, não! Você tem que responder, José. Se ficar calado, os leitores podem pensar que está com medo.

Eu estava mesmo, mas ela me dá a maior corda. Me atiça e me instiga. Me empurra para a luta. Me põe no fogo, sem medo do quebra-pau. Quero que Santa Luzia me cegue, quero ver minha alma pretinha no inferno, se estiver mentindo. Os seus quase 80 anos lhe acrescentaram sabedoria e serenidade, mas não lhe retiraram o vigor cívico. Ela é a própria Katie Elder do bairro de Aparecida. O Beco da Bosta é como se fosse um despenhadeiro nas cordilheiras do Nebraska. (Sei lá se existe montanha em Nebraska. Mas o cenário exige um despenhadeiro. Enfim!).

Seu útero gerou doze filhos, dos quais oito são mulheres, herdeiras da mesma tradição. Ainda chegou mais uma, combativa e sábia. Leitoras assíduas. Umas mais incisivas, temperamentais e apaixonadas. Outras mais discretas. Mas todas exigentes. Vivem me cobrando. Nessas eleições municipais, elas atazanaram minha vida:

- Fala de tal problema, esculhamba isso, defende aquilo, não esquece do fulano e, se sobrar espaço, dá uma tacadinha no sicrano, sem poupar o mengano.

Se a crônica semanal não saiu como era esperado - ah! Margarida, prá quê! - as jararacas armam o maior quilombo. Atacam sem compaixão:

- "A coluna tá fraca".

Quando tento me justificar, elas apresentam o argumento decisivo, insistindo que não estão falando a título pessoal, mas em nome dos leitores:

- "A doutora Silvia, a Luzia e o Eckner acharam que podia ter mais firmeza". Ou:

- "O Osório lá do Riachinho não gostou". Ou ainda:

- "O Julio Torres disse que se era prá escrever essa porcaria, era melhor não escrever nada".

Fazem terrorismo:

-  "O pessoal da PROEG está deixando de ler a coluna, até mesmo a Katia e o Antônio Raimundo de Moraes Jardim". Fico apavorado. Não posso perder um leitor com um nome tão solene, dono de um celular e com um toca-cd dentro do seu carro, o que maravilha minha sobrinha Ana Elisa.

As jararacas acabam sempre tendo razão. Seguem fielmente o exemplo da família Spener, versão baré da Katie Elder. As Spener - umas quinhentas mulheres corajosas e solidárias - tinham suas exigências, mas davam proteção. No Colégio de Aparecida, quem ousasse brigar com o João Bosco Spener - o Tombotinho - pegava porrada de todas elas. Essa história, um dia eu ainda conto devagar. Aliás, o título da coluna de hoje poderia também ter sido: O irmão das Spener.

Por isso, mesmo sem nunca ter visto procuração passada pelos leitores para as jararacas, me curvo diante de suas exigências. Por exemplo, elas queriam que o tema de hoje fosse uma análise sobre a nota assinada pelo Cabo Pereira na terça-feira passada e o artigo do empresário e ex-senador João Braga Júnior, deste último domingo, os dois sobre a recente eleição para prefeito de Manaus.

O estilo é o homem. A nota do Cabo Pereira revela mais sobre ele mesmo do que sobre o seu adversário. Numa linguagem chula, ele repete caninamente o seu patrão Amazonino. Insulta, falando de uma pretensa "origem odienta e obscura" de seu adversário Serafim Correa, "formado nos porões da ditadura". O Cabo está convencido de que conseguiu "livrar Manaus de um sacripanta" por haver obtido uma vitória para prefeito com diferença mínima. Serafim ficou com 49,73 dos eleitores.  Nós estamos convencidos do contrário. Afinal, menos meio por cento faz uma grande diferença e não conseguiu nos livrar do verdadeiro sacripanta. 

Já o artigo do ex-senador João Braga Júnior. - conhecido em Miami como John Bregga - se situa no campo do humor. Quem leu, riu. Braga Júnior arma a maior briga de substantivos com adjetivos - mas quem sai perdendo é o verbo - para convencer-nos de que o governador Amazonino Mendes é um "descobridor de novos talentos". Um deles é "o talentoso Alfredo Nascimento". O outro, o "dinâmico, operoso, inteligente, talentoso e jovem prefeito Eduardo Braga". O terceiro deve ser o próprio Júnior, cujo talento literário Amazonino acabará por descobrir. Bregga derrama talento pra lá e pra cá. 

Outro descobridor, Pero Vaz de Caminha, no final de sua conhecida carta, puxa o saco do rei e pede um emprego para um parente. A qualidade literária e a análise política conjuntural do artigo de  Bregga Júnior levou todo mundo a suspeitar que, com sua bajulação, ele esta querendo algo mais que um emprego. Afinal, o que um empresário como ele trocaria por tanto adjetivo? Verbo por verba?

Eduardo, antes da eleição, era aprovado por 95% da população, com zero por cento de rejeição, escreve Júnior. Desta forma, sem querer, com seu excesso de puxa-saquismo, Júnior acaba demonstrando que Eduardo Braga foi o grande derrotado nas urnas. Caiu de 95% para 50% a aprovação à sua administração, enquanto o índice de rejeição subiu para a estratosfera, depois do comportamento truculento do atual prefeito, querendo sair pro pau com o apresentador da TV Bandeirantes - registrado pelas câmaras e visto por todo mundo - e agredindo fisicamente um menor de idade.

Os dois - digamos assim - pensadores terceiro-ciclistas, Cabo e Júnior, com suas manifestações por escrito, confirmaram nossas suspeitas. Dedicam a sua - digamos assim - produção intelectual ao lucrativo exercício do puxa-saquismo profissional. Quanto às "jararacas", tenho orgulho de todas elas. Sinto-me um filho de Katie Elder.

P.S. Postagem posterior à crônica com a dedicatória abaixo do livro "Essa Manaus que se vai" editado por Mauro Roberto Freire de Souza, em 2012, contendo seleção de textos do Taquiprati sobre a cidade:

9 são elas
8 moram em Manaus;
7 são professoras
6 têm Maria no nome
5 nasceram antes de mim
4 são mais novas que eu
3 adoram uma fofoca
2 são enxeridas
1 manda em mim
Nenhuma me obedece
Para Elas, as nove filhas da dona Elisa,
que nasceram e cresceram em Manaus, junto com essas histórias...


 
 

 

 

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2 Comentário(s)

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celeste comentou:
29/04/2021
Pensei que eram dez jararacas.. Parece que faltou aquela que tem o codinome de " rouxinol desarmonioso"
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Geraldinho Caleffi comentou:
29/04/2021
Professor, as jararacas suas irmãs são todas muito lindas. Pelo menos nas fotos, não as conheço pessoalmente.
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