CRÔNICAS

Belão, a titia e a síndrome de Menalipe

Em: 28 de Janeiro de 2007 Visualizações: 10271
Belão, a titia e a síndrome de Menalipe
O doutor Benício esticou a fita métrica, mediu o peito esquerdo da titia e, logo em seguida, o direito. Depois, apalpou e amassou várias vezes cada um deles, buzinando-os com um ar tão profissional, que ninguém se surpreenderia se soassem: fon-fon, fon-fon. Anotou numa cadernetinha o nome da paciente - Eulália Bessa, a idade - 15 anos, e a data da consulta - 18 de julho de 1947. O teste, científico, era o "coracoid process landmark". 
 
No final da visita domiciliar, o médico chamou a vovó Marelisa num canto e lhe cochichou em surdina:
- “Sua filha está com uma doença rara, que ataca uma em cada dez milhões de mulheres”. Com voz grave, acrescentou: - “É a Síndrome de Menalipe”. Despediu-se, deixando a vovó completamente atordoada, sem saber o que fazer.
 
Foi só o médico sair, que tio Esmeraldo, o intelectual da família, correu para pesquisar no Tesouro da Juventude, o google da época. Lá, descobriu que Menalipe, personagem da mitologia grega, tornara-se a rainha das amazonas, depois de cauterizar com uma barra de bronze quente o seu seio direito, reduzindo-lhe o tamanho. Dessa forma, com a teta diminuída, sua energia se deslocou para o braço e o ombro, permitindo-lhe flechar com precisão seus inimigos. Daí a doença ser chamada de síndrome de Menalipe.  
 
Desde que Orellana guerreou com as amazonas, em 1540, na foz do Nhamundá, nunca mais havia surgido na região outro caso dessa doença, cujo nome é bonito, mas que trocado em miúdos significa apenas que titia tinha um peito menor do que o outro. Ou MAIOR, dependendo do ponto de vista. Havia sérias controvérsias. A única coisa certa era que o peito esquerdo tinha o tamanho de uma laranja, e o direito, de um limão.
 
Peitão e peitinho
 
O diagnóstico do doutor Benício havia sido conclusivo: um peito era decididamente menor do que o outro. Ele argumentava que, não sendo guerreira e não tendo inimigos para flechar, titia carecia daquele aleijão. Ora, se o peitão é que era o peito normal, então o outro, o limão, é que tinha de aumentar, até virar laranja. Naquela época, não havia prótese de silicone. O médico receitou massagens no peitinho, três vezes ao dia, com óleo de copaíba, e dez gotas de andiroba, para ele crescer e adquirir sustância.
 
O enxerido do tio Nelson, cunhado da titia, era muito oferecido. Apresentou-se como amigo do peito, oferecendo-se como massagista, mas como vivia beliscando a bunda das sobrinhas e tinha fama de tarado, a vovó desconfiou que ele quisesse outra coisa, recusou a oferta e decidiu procurar uma segunda opinião. Recorreu, então, à junta médica do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários – o IAPC.
 
A Junta, composta por renomados médicos de Manaus, era chefiada – vejam só! – por um dentista, o doutor Roncy, peitólogo e mastologista nas horas vagas. Ele radiografou o peitinho e o peitão da tia Eulália, examinou-os detalhadamente, buzinou-os insistentemente, chegando a um diagnóstico diametralmente oposto ao do doutor Benício: o peito saudável era o peitinho, o peitão estava cariado.
 
Quem tinha razão? As divergências não eram apenas um exercício de retórica. O que estava em jogo eram a vida e o destino da titia e de sua futura prole. Naquele momento, ela tinha apenas quinze anos, mas um dia casaria, teria filhos, que ficariam com a boca torta de tanto mamar em peitos díspares. A anomalia precisava ser corrigida. Se o diagnóstico da Junta era correto e se o peitinho é que era o normal, então a laranja tinha de diminuir até ficar do tamanho de um limão. Como? Fazendo uma operação nas glândulas mamárias, em Houston, Texas.
 
Belão e belinho
 
Cadê grana para a operação? A família apelou para a medicina caseira, com dois tratamentos. O primeiro consistiu em fazer a titia engolir, diariamente, uma “pílula de vida do doutor Ross”, que fazia bem ao fígado de todos nós e era um santo remédio, multi-uso, recomendado pela vovó em qualquer doença. O outro foi o uso do sutiã Vivien – “uma pausa no olhar” – muito em moda na época. O modelo de nylon era melhor que o de tricoline, porque a alça apertada fazia com que a espuma de látex do forro pressionasse o peitão.
 
No final, titia aumentou a pressão, usando um corpete, com haste metálica na frente e nas laterais. Tudo em vão. O peitão continuava lá, firme como o Pão-de-Açúcar. Na hora do recreio, no Grupo Escolar Cônego Azevedo, os colegas sacaneavam, cantando uma versão do xote das meninas, de Luiz Gonzaga: “Mas o doutor nem examina, chamando o pai de lado, lhe diz logo em surdina, o mal é da idade, o peito é da menina, não há um só remédio, em toda a medicina”. Titia se debulhava em lágrimas. O jeito foi interná-la no convento. Afinal, ninguém olha pra peito de freira.
 
Tudo bem, a titia foi ser freira. Mas, e o Belão, onde é que ele entra nessa história? Eis o que eu queria dizer: o atual presidente da Assembléia Legislativa do Amazonas, Belarmino Lins (PMDB – vixe, vixe!) – codinome Belão – também sofre de Síndrome de Menalipe. Eu me explico. Ele montou esquema de nomeação de servidores, baseado em substituições fraudulentas. Camuflou a mutreta, publicando as portarias no Diário Oficial com o conteúdo adulterado.
 
Não quero nem discutir as fraudes, mas os salários, tudo na base dos R$ 12 mil pra cima, uma imoralidade, se comparados com o salário mínimo de R$ 350,00. Belão apresentou a mesma justificativa dos deputados federais, quando quiseram aumentar o seu salário para R$ 24 mil, ou dos juízes, que ganham até R$ 32 mil. Eles alegam que não é o salário deles que é alto, o salário mínimo é que é muito baixo.
 
Estamos, portanto, diante de dilema similar aos peitos da titia. É o salário deles que é muito alto, ou é o salário da maioria da população brasileira que é muito baixo? O Belão faz demagogia, dizendo que quer dar massagem no salário mínimo, com copaíba e andiroba, para ele crescer. Mas o discurso dele é como o do tio Nelson: tem segundas intenções.
 
A comparação das mamas da titia com os salários merece uma ressalva. No primeiro caso não havia uma relação de causa e efeito entre a diferença de tamanho. O peitão não era responsável pelo peitinho. Mas no segundo caso existe. Só é possível ter salários tão estratosféricos para o Judiciário e o Legislativo, porque essas somas são subtraídas do salário da arraia miúda. Ou não? Cartas para o site www.taquiprati.com.br
 
P.S 1.. –. O leitor Hugo Morais, estudante de jornalismo, escreve indignado reclamando da nota de domingo passado, que defendia o direito de Durango Duarte dizer o que pensa, embora discordando dele, que tem o dever também de ouvir o que náo quer: “Onde é que estava o Durango e que solidariedade ele manifestou quando Amazonino mandou te espancar em Niterói? Ou quando expulsou de Manaus o correspondente da Folha? Ou quando o Orlando Farias foi abotoado pelo Negão e o Gerson Severo foi agredido? Ou quando Amazonino calou a boca de duzentos jornalistas com o golpe do Correio Amazonense”. É mesmo, onde estava o Durango?  Excelente pergunta. Com a palavra o Durango.

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