CRÔNICAS

Ai, Suzano, não chores por mim

Em: 17 de Março de 2019 Visualizações: 13450
Ai, Suzano, não chores por mim

A chacina na escola estadual de Suzano, região metropolitana de São Paulo, na quarta-feira, com dez mortos e onze feridos, é uma reedição de Realengo, no subúrbio carioca, quando um ex-aluno invadiu a escola em abril de 2011, matou doze estudantes, feriu dez se suicidou. Os dois casos reproduziram o “school shootting” frequente nos Estados Unidos. A reação que ambos provocaram se assemelham: os jovens atiradores foram satanizados como “monstros” e “psicopatas” e, para prevenir outros massacres, surgiram propostas genéricas e descabeladas.

Foi assim que o senador Major Olímpio (PSL-SP, vixe, vixe) reproduziu agora, quase palavra por palavra, as declarações na época do governador Sérgio Cabral e do presidente do Senado José Sarney. Para o major é preciso “enfrentar os demônios armados com instrumentos semelhantes”.

- “Se a legislação no Brasil permitisse o porte de armas, um cidadão de bem na escola, seja um professor ou um servente, evitaria a tragédia, impedindo que prosseguissem a marcha da morte deles" – declarou o senador, policial militar e porta-voz de Bolsonaro. No entanto, ele não conseguiu explicar porque meninos armados usam a escola como palco de ações homicidas e sequer se perguntou o que estão querendo nos dizer quando se suicidam, depois de matar e ferir colegas e professores.

Escola de boiolas

Outra foi a pergunta de Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, que indicou o atual ministro da educação para o cargo. A propósito da carnificina na Universidade Estadual da Virginia, em que morreram 33 pessoas, incluindo o atirador, um sul-coreano, De Carvalho no artigo “Educando para a boiolice” (Diário do Comércio 23/04/2007) - pergunta:

- Por que ninguém atacou o coreano maluco enquanto ele recarregava sua pistola?

Morador de Richmond, Virginia, usa como dado empírico o depoimento de seu filho Pedro, que estudou por aquelas bandas. O rapaz afirma: "É uma educação para boiolas". De Carvalho, responde então, estabelecendo o elo causa-efeito: a “epidemia de frescura na escola” forma alunos “tímidos, fracotes e efeminados”. 

Assim, como “passam o ano inteiro só aprendendo boiolice”, ensinada em “cada página dos manuais didáticos” e nas aulas, “cada vez que um professor abre a boca em sala de aula, espalha mais um pouco desse entorpecente pedagógico nos cérebros infanto-juvenis”. Trata-se de “uma covardia abjeta, um desfibramento da alma, uma pusilanimidade visceral que os educadores de hoje em dia consideram o suprassumo da perfeição moral. É a fórmula da pedagogia usada nas escolas públicas americanas” – escreve o guru de Bolsonaro que não explicita em que consiste o conteúdo curricular nem a metodologia desse ensino/ aprendizagem tão eficaz.

Aux armes, citoyens! O autor defende a paudagogia e a mudança do currículo humanista que ele chama de “boiola”: “As escolas têm de ensinar os meninos a serem mais agressivos, a planejar sua defesa e reagir com igual agressividade. O treinamento tem de ser tão intensivo e levado tão a sério quanto o assassino leva a sério sua missão de matar”.

No entanto, não foi assim que reagiram dois “cidadãos de bem”, vizinhos de outro "cidadão de bem", em cuja casa foi encontrado um arsenal. Numa terça-feira, 4 de julho de 1995, Jair Bolsonaro parou sua moto num sinal em Vila Isabel e foi assaltado por dois bandidos a quem entregou sua pistola Glock calibre 380 e a moto Honda Sahara. Em junho de 2016 seu filho Carlos, vereador, foi assaltado na Avenida Maracanã e entregou tudo o que tinha. Nenhum tiro foi disparado. Felizmente.

A paudagogia

Olavo de Carvalho insiste, porém, no “modelo pedagógico” que transforma a sala de aula num campo de batalha e que deve ser implantado no Brasil, cuja situação é ainda “mais desesperadora que a dos americanos” porque no nosso país “a boiolice está espalhada entre homens adultos, nas ruas, nas fábricas, nos escritórios e essa gente tem medo de armas até quando vistas pelo lado do cabo”.

Naquela ocasião, ironizamos aqui no Taquiprati (29/04/2007), apresentando proposta de mudança curricular para incorporar o “treinamento intensivo”. No Maternal, aquecer as crianças com disciplinas obrigatórias como “Xingamentos e Palavrões” “Tapas, Bofetes e Mordidas” e “Pistolas de água”. No Ensino Fundamental seriam ministradas “Armas brancas” e depois “Introdução ao manejo de armas de fogo”, como pré-requisito para “Técnicas de Pontaria”, “Tiro ao alvo I e II” e “Explosivos e Granadas”.

O que há doze anos era um simples exercício de ironia para mostrar o absurdo da paudagogia, eles levaram a sério e enfatizaram o discurso da violência, como política de estado, banalizada pela “brincadeirinha” de mostrar arminhas com a mão. Armar professores é uma proposta demente e insana, é a derrota da inteligência. O acesso generalizado às armas de fogo aumentam o risco de suicídios, de homicídios e de tragédias similares às de Suzano, como concluem várias pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos. Essa glorificação do macho predador, como projeto político, pode nos conduzir a recuperar o australopithecus que vive dentro de nós.

Não é a escola que deve ficar “macha”, mas a sociedade, com quem ela dialoga e que a abriga, que deve recuperar os valores humanistas. O “monstro”, “o demônio” não são os dois assassinos de Suzano, que tanta dor e tristeza causaram, eles algozes, mas igualmente vítimas da sociedade que os produziu. A pedagogia da violência de Olavo de Carvalho evidencia que a sociedade brasileira está gravemente doente. Nesse trote, esse mar de dor e de luto vai se repetir com mais frequência em outras escolas se não houver resistência à política de armamento generalizado que estimula esse espetáculo macabro.

- Sim ao porte de livros! Não as armas! Esse foi o lema levantado em cartazes na manifestação em Suzano que contou com mais de 15.000 participantes. Uma "arma"que deve ser usada é o livro de Miguel de Cervantes, um dos escritores mais geniais da literatura mundial. No “Discurso sobre as armas e as letras”, capítulo XXXVIII de D. Quixote, ele afirma:   

“Malditos esses demoníacos instrumentos de artilharia, cujo inventor deve estar no inferno como prêmio por sua diabólica invenção capaz de cortar a vida de quem a merecia gozar por longo tempo”.

Esse louco genial, visionário maluco-beleza, anteviu no século XVII a loucura patológica - que hoje só beneficia a indústria de armas - causadora do choro de Suzano,de tantos suzanos que continuarão chorando pelo Brasil, ao incentivar que “un infame y cobarde brazo quite la vida a un valeroso caballero”. Taí  a Marielle e o braço covarde de Ronnie Lessa que não o deixam mentir.

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22 Comentário(s)

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Anne Marie comentou:
23/03/2019
Restituindo a lógica das coisas: amei! Sem esquecer também o excelente "Tiros em Columbine", do grande Michael Moore, sempre atual. Procurei no youtube : https://www.youtube.com/watch?v=X5QwnQUqZeA
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Carlos Brandão comentou:
19/03/2019
Caro José, Valeu! E mais me doi lembrar que "Suzano" é o meu avô paterno. Suzano era um pequeno distrito de Mogy das Cruzes, onde meu avô, Joaquim Augusto Suzano Brandão era "egenheiro-chefe" da Central do Brasil. Chamava-se Goió, ou algo assim, e era uma estaçãozinha dessas de meio de caminho. Segundo meu pai, pelo simoples fato de que meu avô providenciou, a pedido dos moradodres, melhorias na pequena estação de Goió, a população local resolveu mudar o nome da cidadezinha para "Engenheiro Suzano". Virou Suzano. Veio depois uma predatória "Indústria Suzano" de papel. E agora esses jovens... Um abraço. Carlos Brandão
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Marcos Vinicius Corrêa Assis (via FB) comentou:
18/03/2019
O que mata não são as armas são quem as usa, Adélio usou Faca, aí foi usada a Machadinha, carros, caminhões, lápis, canetas, cacos de vidros, pedras, pedaços aleatórios de vergalhão são usados como arma em presídios! AS ARMAS NÃO MATAM! As pessoas SIM!
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Selma K. comentou:
18/03/2019
Parabéns, professor. Agora no Paraná governador vai colocar um policial aposentado na frente de cada Colégio. Veja que absurdo.
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Rodrigo Martins Chagas comentou:
18/03/2019
Boa noite, professor Bessa, tudo bem? Professor, eu também fiquei muito triste com mais essa tragédia (agora em Suzano)e torço para que isso nunca mais aconteça, me doí demais ler notícias como essa. O governo deveria olhar com mais atenção a educação do país. Em vez de fazer o sinal da arminha ou cantar o hino nas escolas, o governo tinha que pensar em amar e não armar as escolas, dando estrutura, melhorando o salário dos professores e oferecendo mais oportunidades culturais para as crianças. Eu como doutorando autoproclamado (professor,gostei da sua autoproclamação de reitor da uerj/unirio e entrei na brincadeira rs) deixo aqui o meu repúdio para esse desgoverno. Mais livros e menos armas. Um abraço querido professor.
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Rosa Maria comentou:
18/03/2019
Genial como sempre Prof Bessa!!!
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Jorge Isper Abrahim Filho (via FB) comentou:
17/03/2019
José Bessa , nunca estive no palanque, apenas penso que o efeito deve vir depois da causa. Tenta-se vender uma ideia errada, a de que existe uma “atmosfera de ódio” e que as pequenas mudanças na legislação de posse de armas criará um incremento nos homicídios do Brasil. Nada mais errado, meu querido mestre. Não existe nenhuma “atmosfera de ódio” o que nós temos é apenas a velha e imortal incompetência brasileira para analisar e resolver de forma objetiva os velhos problemas da violência em nosso país. Temos pouca polícia, poucas prisões e acabamos com qualquer possibilidade de se ter escolas com a necessária disciplina para enquadrar alunos problemáticos. Antes do atual Estatuto do Desarmamento tínhamos homicídios em crescimento, durante o Estatuto esse crescimento se manteve, com sua flexibilização o fenômeno permanece inalterado. E assim será porque cada homicida tem a certeza de ter 99% de chances de escapar livre dos crimes cometidos. É uma questão aritmética simples, se o aparelho persecutório do Estado é atrofiado então nunca será possível instalarmos neste país um ambiente de lei e ordem. Simples assim!
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Preta comentou:
19/03/2019
"E assim será porque cada homicida tem a certeza de ter 99% de chances de escapar livre dos crimes". O que explica os suicídios de quem matou, se eles tinham a certeza da impunidade?
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Maria Luiza Santos (via FB) comentou:
17/03/2019
Professor José Bessa esses políticos atuais estão fora do contexto, fora da realidade. Estão totalmente fora de sintonia.
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Motta Fábio (via FB) comentou:
17/03/2019
Como se fosse culpa do Bolsonaro de ter gente doida e mal intencionada usando armas! Aprendam: independente do presidente, sempre haverá esses doidos!
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Silvio Sampaio (via FB) comentou:
17/03/2019
A imprensa chamou o atirador de realengo de monstro . A imprensa chamou os atiradores de Suzano de monstros . Não vou entrar neste debate , Mas quero deixar claro a minha opinião : Monstros são os praticantes de bullying que o pratica diariamente, nas escolas, nas ruas , em casa, etc E estão livres , andando impunes pelas ruas. Senhores e senhoras praticantes de bullying , Quem puxou o gatilho em realengo e em Suzano foi vocês !!!!!!!!!!!
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Stanlley Santos comentou:
17/03/2019
Oferece um livro pro bandido quando ele entrar na tua casa, comer sua mulher e levar seu patrimônio
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Lucas Pantoja comentou:
17/03/2019
Lucas Pantoja Quando o cara for te matar joga um livro nele
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MARCIA PARAQUETT FERNANDES comentou:
17/03/2019
Junto à Paudagogia, some-se a Balagogia, pois só assim produziremos bolsonaristas em série.
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Gil Souto (via FB) comentou:
16/03/2019
É isso aí, brother. Esse Olavo de Carvalho não tá com nada. Só é filósofo pras negas dele.
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Vera Nilce Cordeiro Correa (via FB) comentou:
16/03/2019
Esse Olavo de Carvalho não entende nada de pedagogia, esse energúmeno sequer terminou segundo grau e faz a cabeça de N babacas que estão no poder. O que mata é o ódio, é a mágoa, é a desigualdade social, é a falta de solidariedade, é o bullying. A indústria armamentista está adorando essas arminhas que incitam sim crianças e adolescentes. O idiota do presidente em vez de induzir à leitura ja que ele não sabe nem ler, além de falar errado fica fazendo lobby para essa indústria. Bom também com famíglia de presidente envolvida com milicianos a tendência é aumentar os casos pois matar faz parte pra eles. Nojo desses ratos asquerosos que saíram dos esgotos e ficam desqualificando escolas e professores em vez de fazerem projetos de capacitação. Não no fundamentalismo deles é nem baseada nesse filósofo de araque OC, um sonegador!
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LOeda Beck (via FB) comentou:
16/03/2019
José Bessa também dá um pitaco, muito bem dado, sobre a tragédia de Suzano. Critica a "visão" do astrólogo de Richmond, que propõe uma "paudagogia" e termina citando Cervantes:
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Jorge Isper Abrahim Filho (via FB) comentou:
16/03/2019
Foi uma tragédia, mas a posse legal de armas nada teve a ver com isso. Dilma e Lula não faziam sinal de arminha, mas viram vários massacres iguais acontecer.
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Taquiprati comentou:
16/03/2019
Jorge Isper sempre com um raciocínio Do Carvalho. Ainda não desceu do palanque, o que não lhe permite um distanciamento crítico para pensar, fica sempre no superficial, no periférico. É evidente que não é o sinal de arminha que é a causa, nem a pose legal de armas. A resposta dada pelas autoridades às tragédias é que é um sinal, ao erigir como política de estado o armamento generalizado. Não lembro de nenhum discurso do Lula e da Dilma propondo que se arme professores, serventes e merendeiras. .
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Sara Magalhães comentou:
16/03/2019
Não acredito no que meus olhos leram. Não acredito que Olavo de Carvalho seja tão demente a ponto de escrever o que escreveu.
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Silvio Sampaio comentou:
16/03/2019
José Bessa perfeito, Pena que não tem como partilhar no facebook!!!!!
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Ana Silva comentou:
16/03/2019
Bravoooooo! Sim aos livros e não às armas. É isso, genial. Adorei, Bessa. Por trás do discurso de liberação das armas está o lobby das empresas de armas. Quem sofrerá as consequências somos nós, as crianças, o nosso país. Não podemos cair nesse discurso. Viva Marielle, viva a vida.
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