EVENTOS

RIO DE JANEIRO - EXPOSIÇÃO AS PRIMEIRAS IMAGENS DA CONQUISTA. UERJ

Em: 25 de Março de 1992

Catálogo da Exposição AS PRIMEIRAS IMAGENS DA CONQUISTA: FELIPE GUAMAN POMA DE AYALA. 1526 (1533?) - 1615. Rio de Janeiro. Depext/Uerj, 1992.62 pgs.

As imagens parecem em movimento, como num filme de desenho animado: o Inca Atahualpa está cercado na praça de Cajamarca por soldados espanhóis fortemente armados. O capelão militar avança e entrega-lhe a bíblia, exigindo que ele ouça a palavra de Deus e se converta. Atahualpa tenta ouvir, sem sucesso, e não escutando as palavras das escrituras, joga fora o livro sagrado. Em conseqüência, é preso e, depois, morto. Uma frase dentro do desenho anuncia ironicamente que Francisco Pizarro, o conquistador espanhol, não sabe ler.                                 

Este é um dos quadros da exposição montada em 1992, com desenhos feitos por um índio peruano do século XVI, Felipe Guamán Poma de Ayala, que deixou seu testemunho numa crônica de mais de mil páginas, contendo a tradição oral do mundo andino pré-hispânico, os embates iniciais entre índios e europeus e o funcionamento do sistema colonial. Os originais, ilustrados com 398 desenhos carregados de informação, só foram encontrados em 1908 na Biblioteca Real da Dinamarca. O Pro-Indio selecionou e ampliou 30 dessas imagens, de caráter narrativo, para figurarem na exposição, das quais nove cobrem o período anterior à chegada dos espanhóis, e as demais se referem à conquista.

Os desenhos seguem a tradição iconográfica andina de pintores incaicos e pré-incaicos, mas a sua apresentação obedece a uma estratégia comunicativa influenciada pela formação religiosa do autor, recém-convertido ao catolicismo. Ele lança mão da tradição retórica dominante à época, cujas técnicas persuasivas e proselitistas se organizavam em torno da narrativa de um caso particular para dele tirar lições exemplares. Por isso, as ilustrações procuram registrar e narrar tudo o que é novo, diferente e singular, descrevendo fatos relacionados ao sistema colonial, com denúncias sobre a violência cotidiana cometida pelas autoridades espanholas contra os índios, como é o caso do próprio avô do autor, que foi queimado vivo. Desta forma, o desenho funciona como se fosse uma foto, uma prova capaz de eliminar a incredulidade sobre os acontecimentos insólitos.

A mostra dessas imagens, feita em plena comemoração dos 500 anos da América, num clima de triunfalismo eurocêntrico, tinha o objetivo de dar voz à “outra” versão sobre os acontecimentos trágicos da Conquista, elaborada por um índio de 80 anos, talentoso, solitário e desesperado. Seus desenhos circularam por três estados brasileiros e alguns municípios fluminenses, itinerando por seis universidades, entre as quais a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade Federal do Amazonas, em cujo museu, sediado em Manaus, permaneceram por mais de um mês.

Nas três universidades localizadas na cidade do Rio – Uerj, Ufrj e Uni-Rio - o público, formado basicamente por universitários e professores do ensino médio, obteve informações adicionais nos eventos paralelos como a mesa redonda “Registro e Memória Indígena”, realizada pelo Pro-Índio, e o lançamento do livro  de Paulo Suess “A Conquista Espiritual da América Espanhola”, que reproduz cerca de 200 documentos, entre os quais vários textos do século XVI, de autoria indígena.

Da equipe responsável pela concepção e montagem da exposição, faziam parte professores e alunos da Uerj, da Uni-Rio e da Ufrj,1que se reuniam periodicamente, num grupo de estudo, para discutir a crônica de Poma de Ayala, avaliar os desenhos de sua autoria e selecionar os mais representativos. Os resultados dessas discussões foram apresentados em quatro congressos sobre os 500 anos de América, dois internacionais e dois nacionais. Essas atividades redundaram ainda em publicações: o catálogo da exposição e vários artigos editados em revistas especializadas de Brasília, Minas Gerais e Rio de Janeiro.2                                                     

 


1       Equipe responsável pela exposição As Primeiras Imagens da Conquista:

 

 Curadoria – José R. Bessa Freire (Uerj e UNI-Rio). Consultoria - Consuelo Alfaro(UFRJ). Apoio museográfico - Maria Helena Cardoso de Oliveira, Antônio Carlos Oliveira, Ligia Cavalheiro Castro, Carla Balthar e Cláudia Costa (alunos finalistas do curso de Museologia da UNI-Rio). Apoio à montagem: Gleice Maria Lopes de Matos, Márcia Malheiros, Andréa Jacques de Moraes, Cecília Gaspar e Maximiano Lins, (alunos da UERJ).

 

2 Publicações relacionadas à exposição As Primeiras Imagens da Conquista:

 

 ALFARO, Consuelo & FREIRE, José R. Catálogo “ As Primeiras Imagens da Conquista: Felipe Guamán

Poma de Ayala.”. Rio de Janeiro. SR-3/UERJ. 1992.

 

ALFARO, Consuelo A argumentação política na crônica de Guamán Poma in Pedro Pires (org) – Celebração dos 500 anos de Hispano-América Juiz de Fora. UFJF/FAPEMIG. 1992. pp.89 a 94.

 

FREIRE, José R. Bessa: A tradição oral nas crônicas. in Pedro Pires (org) – Celebração dos 500 anos de Hispano-América Juiz de Fora. UFJF/FAPEMIG. 1992-a. pp.82 a 88.

 

FREIRE, José R. Bessa Tradição Oral e memória indígena: a canoa do tempo in 4º Colóquio Uerj – América: Descoberta ou Invenção. Rio de Janeiro. Imago Editora. 1992-b. pp.138 a 164

 

FREIRE, José R. Bessa Las crónicas españolas y la Amazonía inAnuario Brasileño. Estudios Hispánicos. Suplemento 5º Centenário Brasília.Consejería de Educación. Embajada de España. 1992-c.  p.53-57

 

FREIRE, José R. Bessa Crônicas e cronistas na História América.(Abstract). Congresso Internacional América 92: raízes e trajetórias. Departamento de História. USP. São Paulo. Agosto 1992-d.

 

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