CRÔNICAS

A corrente de Santa Etelvina

Em: 08 de Abril de 1987 Visualizações: 5602
A corrente de Santa Etelvina

Esta corrente proveniente da França foi iniciada em 1901 com o nome original de “Chaine de Saint-Séverin Des Pauvres”, circulando no Brasil como “Corrente de São Severino dos Pobres” depois de dar a volta na Torre Eiffel, no bolso de Santos Dumont.

Quem começou tal corrente, por incrível que pareça, foi um amazonense, Leão Amorim, filho do sr, Alexandre Amorim, e seu irmão Manuel Tibúrcio Amorim, que morava na Rue Falguière, esquina com o boulevard Pasteur e frequentava a igreja de São Severino no Quartier Latin.

Leão mudou para Paris no início do séc. XX, quando ficou conhecido como Monsieur Amorrã. Vivia comodamente das rendas dos seus seringais no rio Madeira e da pequena fábrica de rolhas para garrafas de vinho que adquiriu em Ivry.

Mais um

Logo que se instalou num apartamento confortável, seu sobrinho André Amorim, filho caçula de Manuel Tibúrcio, com apenas um aninho de idade ganhou o primeiro lugar no concurso de robustez infantil “O bebé mais sadio da Europa”.

As bochechas do neném André, uma cópia fiel da sua avó Marelisa Amorim, nutridas com “mingau de caridade”, eram uma polegada maior do que as bochechas do segundo colocado, de nome Jacques Pétain, aparentado com o marechal Pétain e descendente em quinto grau de Napoleão Bonaparte.

André, o Bebé Johnson nascido em Manaus, foi na verdade “o primeiro amazonense a vencer lá fora”, conforme registro dos jornais da capital do Amazonas, que publicaram as seguintes manchetes:

“COMPROVADO: FARINHA DE MANDIOCA É SUPERIOR À AVEIA: O BEBÉ MAIS SADIO DA EUROPA É AMAZONENSE”.

Um jornal sensacionalista não hesitou em berrar: “CABOCO BOCHECHUDO ANIQUILA BISNETO DE NAPOLEÃO NA GUERRA DA ROBUSTEZ”.

O fato marcou época, apesar da intriga da oposição sugerir que o júri teria sido comprado com toneladas de borracha. O certo é que, a partir desta data, qualquer amazonense que passa no vestibular, arruma emprego de escriturário ou se instala como camelô no Rio de Janeiro, é tratado pela imprensa local de Manaus como “mais um amazonense que vence lá fora”, com direito à publicação de sua foto em tamanho 3 x 4,

- Macacos me mordam! – exclamou Leão Amorrã quando viu um enorme caminhão em frente ao seu apartamento no Boulevard Pasteur, em Paris, trazendo o prêmio conquistado por seu sobrinho: 50 mil caixas de talco Johnson.

- Eia! Sus! Cáspite! Aqui Del Rey! O que é que eu vou fazer com tanto talco? – perguntou-se Monsieur Amorrã. A resposta foi lucrativa. Ele enviou todo a carga para os barracões de seus seringais que adiantaram, a um preço alto, através do sistema de endividamento, aos seringueiros cearibas e arigós. Com o lucro, acumulou a bagatela de 18 contos de réis, depositados no banco Crédit Lyonnais. Reservou uma pequena parte para ajudar os pobres de Paris e os clochards.  Foi aí que teve a luminosa ideia de redigir a “corrente de São Severino”. Colocou o texto com um franco francês dentro de um envelope  enviando-o para seus amigos, entre os quais um certo senhor Maia, velho conhecido de Humaitá, no Amazonas.

Durante dez anos a corrente percorreu o mundo e atravessou os cinco continentes. Foi interrompida durante a Primeira Guerra Mundial. Extraviou-se. Durante décadas, ninguém ouviu falar dela.

Recentemente, em 1986, um ilustre sócio do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), diz-que pesquisando a vida dos vereadores de Manaus, encontrou uma cópia da “Corrente de São Severino, onde entra homem, mulher e menino” com uma foto da igreja de Saint Séverin, em Paris, ao lado de outro “documento histórico”: o currículo do ex-vereador Carrel Benevides.

O jovem e ilustre puxa-saco, de codinome "Reizinho", que apoia todos os governadores enquanto eles governam, decidiu recompor o elo perdido, atualizando e regionalizando o documento. Mudou o nome para “Corrente de Santa Etelvina, onde entra homem, mulher e menina” e tocou bola pra frente.

CONTRA-CORRENTE

Hoje, em 1987, você está recebendo esta corrente de Santa Etelvina com Cz$ 1,00 (hum cruzado), que deverá dar ao primeiro pobre que encontrar na rua, de preferência um professor. Em seguida, faça 25 cópias desta corrente, sem se identificar e envie-a para 25 pessoas diferentes com a mesma quantia em cada envelope.

Não quebre a corrente. Dentro de nove dias – ou mesmo antes – você será recompensado.

Beth Azize recebeu a corrente e cumpriu direitinho o que estava determinado. Dias depois foi eleita deputada federal e hoje está em Brasília, queimando o Parlamento com o seu verbo desabusado.

Gilberto Mestrinho rasgou a corrente, praguejando: “Corrente comigo é no pau. Vai pro fundo do rio Negro, junto com toda a oposição”. Por causa disso, ele foi castigado: o senador Carpinteiro Peres não renunciou e Mestrinho ficou chupando o dedo, sem mandato, sendo obrigado a dar o pira de Manaus ( e ai dele se ousasse fazer proposta indecorosa de renúncia ao senador Peres).

Carlos Alberto De Carli cumpriu e passou a corrente pra frente. Logo depois, foi recompensado com o incêndio inexplicável em seis cartórios de Manaus.

Gilberto Miranda, o Mirandinha, rasgou a cópia. Em vez de dar o cruzado que recebeu ao primeiro pobre, dividiu-o – metade a metade – com Roberto Colarinho Verde Cohen. Como castigo foi criada a Associação de Defesa da Zona Franca de Manaus, que está denunciando as estripulias dos dois.

Nonato Oliveira exagerou. Fez logo 2.500 cópias e as enviou aos seus eleitores. Por isso, foi eleito deputado. No entanto, quando Santa Etelvina descobriu que em vez de enviar um cruzado em dinheiro vivo, ele o fez, mas em cheques sem fundos, decidiu castigá-lo. Seu mandato está por um fio.

O secretário atual de Educação, Jofetopica, não levou a sério, fez 25 cópias em “hai-kai” de qualidade literária duvidosa. De castigo, está servindo de galhofa para todo o magistério. Nas entrevistas que dá contra o movimento dos professores que reivindicam melhores condições de trabalho, não consegue articular duas palavras sem dizer “evidentemente”.

Correntes de esquerda

Os materialistas históricos e dialéticos do PT receberam a corrente. Levaram um mês de discussão para determinar se a corrente era de esquerda ou de direita. Por 73 votos contra 71 decidiram democraticamente que era de direita. E zombaram:

- Corrente? Isso é superstição. Comigo não, violão!

Por haverem ido contra a corrente, não conseguiram eleger ninguém, nem um só deputadinho estadual (O que não alegra a Santa Etelvina, consciente de que não é bom para o povo amazonense ficar sem uma voz crítica na Assembleia Legislativa).

Os companheiros do PC do B receberam a corrente. Sua “Ala Vermelho-Espiritualista” era favorável ao envio das 25 cópias por temor aos castigos. A “Ala do Foice e Martelo”, predominante, só acredita em corrente se for alternada ou contínua. Um dos seus representantes debochou:

- Castigo? Duvi-de-o-dó, macaxeira mocotó.

Por causa desse gesto, também o PC do B não conseguiu eleger ninguém. Embora o Levino, por sua integridade, merecesse ser eleito.

A Dorinha fez 50 cópias e dois dias depois foi nomeada Chefe de Seção do Departamento de História. As professoras do Serviço Social, Rita e Eulália, copiaram as 25 versões, no muque, com caneta-tinteiro, usando letra desenhada de caderno de caligrafia, daquelas que traziam na última página para treinar as letras “x “e “z” a frase: Xerxes e Zulmira leem juntos. Ambas foram escolhidas paraninfa e patrona da turma que se formou.

Sandra Regina, a Loura, cumpriu tudo direitinho e o tio, que a odiava, passou a amá-la. Dona Adelaide não acreditou, rasgou a corrente como fruto da superstição e dois dias depois recebeu uma carta desaforada de uma sobrinha que vive no Rio, cobrando o aluguel da sepultura de um cunhado no cemitério Parque da Colina, em Niterói. Ela respondeu que a sobrinha entrasse com uma ordem de despejo do inquilino.

Por todas essas razões, leitor (a) NÃO PARE essa corrente histórica e aguarde nove dias (ou antes) que você será recompensado (a) com a graça de Santa Etelvina.

P.S. 1 – Falha nossa! Dona Elisa passou a corrente como manda o figurino e completou, bonitinho, os seus 70 anos.

P.S. 2 – Um comercial: o doutor Sabá, da Odonto, convida os grevistas da Universidade do Amazonas para um pagode com feijão no próximo sábado, às 12h00,  no restaurante da Faculdade das Ciências da Saúde.

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