PRODUÇÃO ACADÊMICA

ALDEAMENTOS INDÍGENAS DO RIO DE JANEIRO (Rio. Eduerj. 2009 2ª edição)

Em: 06 de Março de 2010

Autor: JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE E MÁRCIA MALHEIROS
Local da Publicação: RIO. EDUERJ. 2009. 2A. EDIçãO - 100 PGS.

 

                                                        

ORELHA DA 2ª EDIÇÃO

 Resenha de Carlos Freire
 
O   Os livros didáticos de História do Brasil sempre apresentaram a vida dos povos indígenas de forma preconceituosa e cheia de lacunas. Entretanto, desde os anos 70, com as iniciativas editoriais de alguns professores, começou-se a reverter esse quadro. Mais recentemente, a publicação de dois instrumentos de pesquisa facilitou o trabalho de crítica da história indígena pelos etno-historiadores. O Guia de fontes para a história indígena e do indigenismo em arquivos brasileiros (USP, 1994), coordenado por John Monteiro, e os Índios em arquivos do Rio de Janeiro (UERJ, 1995), organizado por José Ribamar Bessa Freire, são levantamentos exaustivos de centenas de conjuntos documentais relativos aos povos indígenas do Brasil.
      O trabalho da equipe chefiada por Bessa Freire já deu outros frutos, dos quais o mais significativo é o livro Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro. Junto com a historiadora Márcia Fernanda Malheiros, Bessa Freire recupera a história de povos ignorados ou esquecidos pela historiografia fluminense. Mais do que responder a curiosidades sobre as origens indígenas do povo e da cultura popular no Estado do Rio de Janeiro, os autores fazem indagações sobre o destino dos índios que extrapolam o contexto regional em que essas populações viveram e desapareceram.
      A parte inicial do texto – Os índios do Rio de Janeiro e suas aldeias de origem – constata os erros coloniais na identificação dos povos indígenas, pois os colonizadores não distinguiam as especificidades culturais, grafando o nome de um povo de várias maneiras.]
      No território do atual Estado do Rio de Janeiro eram falados mais de 20 idiomas, com predominância das línguas da família Puri. A língua portuguesa dos colonizadores acabou incorporando milhares de termos indígenas que expressavam saberes ao identificar acidentes geográficos, lugares, flora, fauna etc. Com certeza desconhecemos os significados que os especialistas dão ao termo de origem tupi carioca, utilizado pelos índios para denominar uma aldeia e um rio então localizados na região da atual praia do Flamengo. Kariók ou Karióg significa “morada dos índios Carijó”, “casa de branco”, “casa de água corrente” ou “corrente saída do mato”. Essa aldeia era apenas uma das 32 aldeias conhecidas pelo cronista francês Jean de Léry, que existiam ao redor da baía de Guanabara no Séc. XVI. Havia aldeias ao sopé do Pão de Açúcar, na Barra da Tijuca, Lagoa Rodrigo de Freitas, nos morros de Santa Tereza e Santo Antônio, nos subúrbios da atual cidade do Rio de Janeiro, nas Ilhas do Fundão e do Governador. Também em Niterói existiam aldeias como Icaraí, Itaúna, Urupué etc.
     Os relatos do Séc. XVI avaliam que a população de cada aldeia Tupinambá, um desses povos da Baía de Guanabara, variava entre 500 e 3.000 índios – daí ser incalculável o número de índios que viviam nessa região. Dentre todos, os índios das famílias lingüísticas Tupi e os Puri foram os mais importantes para a constituição étnica do povo fluminense. Freire e Malheiros trazem informações iniciais sobre as aldeias desses povos, a agricultura, técnicas e instrumentos de trabalho, conhecimento náutico, crenças, rituais e instituições sociais que envolviam as atividades guerreiras.
      A segunda parte – Os índios catequizados e as aldeias de repartição – recupera a história do contato interétnico e de todo sofrimento vivido pelos índios diante do projeto colonial português. A espoliação dos povos indígenas foi constituída por uma seqüência de iniqüidades: guerras justas, escravização, expropriação de terras. Os índios cativos eram produzidos pelas guerras justas ou pelo resgate dos índios de corda. Estes eram os prisioneiros indígenas sobreviventes de guerras intertribais, que foram resgatados pelos portugueses e tornados escravos. Já os índios aldeados resultavam dos descimentos, expedições missionárias que deslocavam os índios de suas aldeias de origem para os aldeamentos de repartição, onde eram catequizados, vivendo de forma servil, tendo os seus costumes desprezados.
     Os primeiros aldeamentos tinham objetivos militares defensivos, dando origem aos povoados e cidades do Brasil colonial. As Sesmarias concedidas aos índios desde o Século XVI foram progressivamente arrendadas e aforadas. Na região do atual Estado do Rio de Janeiro, no Século XIX, restavam aldeamentos, em sua maioria, compostos por caboclos, descendentes miscigenados dos índios catequizados. Mas havia ainda índios isolados, brabos, assim como destribalizados. Freire e Malheiros mostram que os índios Puri podiam ser encontrados nesses extremos. Aqueles que perderam o nexo da vida indígena migravam para as cidades e para a Corte Imperial no Rio de Janeiro, buscando pequenos expedientes, sobrevivendo com dificuldade ao preconceito reinante. Já os mestiços produziriam o tipo físico e social que marcou o final do Século XIX: o índio genérico, acaboclado.
      Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro é um instrumento de trabalho valioso e único para os professores, não só por sistematizar as informações históricas disponíveis sobre os índios do Rio de Janeiro, mas também por apontar as lacunas da historiografia fluminense, estimulando futuras pesquisas sobre a história indígena.
 
Carlos Augusto da Rocha Freire
 
Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ e Pesquisador do Museu do Índio.
 

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