CRÔNICAS

A Província se defende como pode

Em: 04 de Setembro de 2011 Visualizações: 28044
A Província se defende como pode

- Por que parada militar? Não seria mais apropriado comemorar esse dia com desfile de escolas de samba? Essa pergunta foi feita, via facebook, por Cláudio Nogueira, ex-aluno do Colégio Militar de Manaus. Amanhã, 5 de setembro, dois dias antes do Grito do Ipiranga, a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas bota as crianças prá marchar. Na verdade, ninguém sabe direito porque está marchando. Feriado. Data cívica.

A escola vai empurrando com a barriga, aos trancos e barrancos, obrigando os alunos a memorizarem algumas datas e os nomes de alguns "heróis". A mídia vai fazendo como pode o seu samba do crioulo doido ou a toada do caboco pirado.

Comemorar o quê?

Alguns já trazem a resposta decorada: em 5 de setembro de 1850 o Amazonas foi elevado à categoria de Província. E daí? Faça uma pesquisa de opinião, entreviste vereadores, deputados, prefeito e pergunte a cada um deles: você sabe o que significou para a vida dos amazonenses a criação da Província?

Taí, uma boa pergunta: o que teria acontecido, se não tivesse havido o 5 de setembro, isto é, se o Amazonas NÃO tivesse se transformado numa província autônoma?

Bom, em primeiro lugar, hoje não seria feriado no Amazonas. Que pena!

Em segundo lugar, continuaríamos sendo uma comarca da Província do Pará e depois um município do Estado do Pará. Do ponto de vista político, não teríamos um governador próprio. Estaríamos livres, pelo menos, do Amazonino.

Não haveria também uma Assembléia Legislativa do Amazonas, da mesma forma que hoje não existe uma Assembléia Legislativa do Alto Solimões. Como o Alto Solimões nos enviou esses dois estadistas impolutos - Lupércio Ramos e Belarmino Lins - assim também nós enviaríamos para a Assembléia Legislativa do Pará, como representante do Amazonas, um montão de “fichas sujas”.

O amazonense não existiria como identidade coletiva politicamente trabalhada e estimulada. Seríamos todos paraenses, conterrâneos - ai, meu Deus! - do Jarbas Passarinho e do Jader Barbalho, mas em compensação de muita gente porreta. Falaríamos bonitinho como os paraenses, enfatizando os "nh": maninio, queres comer farinia da vizinia?

Pesquisa histórica me levou a trabalhar os Anais da Assembléia Legislativa Provincial, onde estão as atas com os discursos dos deputados, seus projetos, os argumentos a favor e contra, enfim as diferentes propostas dos setores dominantes. Publiquei então um artigo intitulado "Quanto vale um índio no Amazonas", onde reproduzi o primeiro projeto dos nossos deputados, que vale a pena ser relembrado.

A criação da Província do Amazonas permitiu que a elite econômica local organizasse a exploração da mão-de-obra, formada fundamentalmente por índios. Em 1850, cerca de 60% da população recenseada do Amazonas era constituída por índios. Os negros não ultrapassavam o número de 500, os donos de plantações e os negociantes ligados ao extrativismo tinham nos povos indígenas a principal fonte de mão-de-obra. Se o índio não trabalhasse, ninguém comia no Amazonas.

Os deputados da Assembléia Legislativa Provincial, representantes da minoria de 8% de brancos que aqui vivia se lançaram com voracidade sobre os índios. Os nobres deputados não esperaram sequer que a Casa fosse organizada para colocar as unhas de fora. No dia 9 de setembro de 1852, foi lido o primeiro projeto da Assembléia Legislativa que rezava:

Art. 1 - Fica livre a todo morador poder ir contratar a troca dos indígenas bravios com os principais das nações selvagens.

Art. 2 - Feita a troca, o individuo apresentar-se-á com os indígenas perante o Juiz de Paz mais vizinho para assinar um termo de educação por espaço de dez anos.

Os nobres deputados voltaram a entrar na História pelas portas dos fundos alguns anos mais tarde. A Lei nº 86 de 22 de outubro de 1858 concedia "um prêmio de 50$000 réis por indígena isolado e 100$000 réis por chefe de família indígena excedente a duas pessoas, maiores de 8 anos de idade, ao empresário que colonizar e fizer residir no estabelecimento número superior a 15 indígenas".

Para os índios, que constituíam a maioria da população, a elevação do Amazonas à categoria de Província significou o recrudescimento da exploração de seu trabalho, a invasão de suas terras, com conseqüências graves, que levaram ao extermínio de muitos povos e ao empobrecimento cultural da região.

Comemorar o quê? Quem comemora? Parada militar ou escola de samba? Viva o 5 de setembro? O que interessa agora é saber quando o Amazonas deixará de ser província.

P.S. – Conto esses e outros fatos no livro de minha autoria “Rio Babel – a história das línguas na Amazônia”. A Editora da UERJ, em coquetel realizado sábado, 3 de setembro, na Bienal do Livro no Rio, organiza o lançamento da sua segunda edição – a primeira se esgotou.  

 

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24 Comentário(s)

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Aurelio Michiles comentou:
08/09/2021
É muito provável que não saibam nem mesmo onde fica o Amazonas...à exemplo do degradado geral Pazuello.
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rosangela lima andrade comentou:
08/09/2012
hahahahahahahahha esta cronica so tem piada duvido falar algo serio rosangela lima com voces todos os dias
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ROCHA comentou:
15/09/2011
A MEU VER COMEMORAR ESSAS DATAS Ñ FAZ MAIS SENTIDO, COMO É QUE PODE UMA CIDADE FICAR PARADA UMA SEMANA DESCULPEM MAIS É MUITA VAGABUNDAGEM, VAMOS TRABALHAR MEU POVO!!!
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Pablo Ítalo comentou:
11/09/2011
vania tadros enquanto você estuda no seu "glorioso" colegio e não se dava conta dos atos criminosos que os padres salesianos faziam com as etnias indígenas do alto rio negro, ludibriada pela ideia de pátria ao som da banda que tinha como membro o serafim Correa [como ele mesmo coloca-se como membro], os padres exterminavam as culturas que por lá encontraram. O progresso econômico de uma nação só acontece com a exploração de um povo, e se o Estado usou a força física neste etnocídio, os padres
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Paca braba comentou:
09/09/2011
Independência no Amazonas ? Qual ? Aquela do faz-de-conta, decoreba d datas e fatos nas precárias salas d escolas públicas? Ou a independência-sonho, aquela q dá ao caboco o discernimento d escolher conscientement seu governant, com a certza d q este nao irá roubá-lo, traí-lo e usar a máquina pública p manter-se por décadas no poder, via esquemas criminosos ??? Ah, essa independencia ainda vai demorar mais outros 300 e tantos anos !!!
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Cruz credo comentou:
08/09/2011
Entendo que a manifestação verificada anualmente no desfile de 5 de setembro, nada mais é do que o retrato do estágio degenarativo que ainda nos domina, em termos de civismo e cidadania, por estarmos submissos a um regime politico que apela ao populismo e ao assistencialismo barato para manter a sobrevivência dos que nos enganam na governança e no legislativo, ao invés de promover ações eficazes em condições de contribuir para a redenção social e econômica dos que aqui insistem em se manter tra
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otavio dias pedrosa filho comentou:
05/09/2011
Essa cronica diz a verdade, por que o governo enfeita tudo é uma hipocresia por traz de tanta estória.
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Paulo Bezerra comentou:
05/09/2011
Os desfiles militares eram utilizados pelos governantes para exibir o poderio bélico de seus países. Atualmente, em plena era cibernética não tem mais nenhum sentido tal exibição. Já os desfiles estudantis (vide a Juventude Hitlerista) são organizados para inculcar nos jovens o "morrer pela Pátria e viver sem razão" como bem cantou o Vandré.
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Airton comentou:
04/09/2011
Peguei muito sol na cucuruta acompanhando esses desfiles, perecia um leso, correndo atrás de menino.Se a SEDUC marcasse o começo do desfile 15:00 horas, podia contar que o governado chegava 6:00 horas e haja espera. Bem... na época eu era contratado e a diretora prometia em alto e bom tom que largaria a falta no irresponsával que não comparecesse.Enfim, já sou concursado e a situação é a mesma, porém agora eu estou mais abusado.
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Cláudio Nogueira comentou:
04/09/2011
Os Estados Unidos brigaram e guerrearam contra a Inglaterra para obter a sua independência. E lá, o 4 de julho é comemorado como uma festa popular, sem qualquer participação dos militares. Aqui não teve a participação de nenhuma força militar. A nossa independência aconteceu porque um principe mulherengo não queria largar a vida boa que levava, papando quem quisesse. Até parece piada, mas é verdade. Deem uma lida em "Maluquices do Imperador "de Paulo Setúbal. Mas onde é mesmo que os militares en
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Ana Stanislaw comentou:
04/09/2011
Muito boa!! Ultimamente não temos muito o que comemorar seja no Amazonas ou em qualquer outro lugar desse país. Realmente comemorar o que?
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VANIA TADROS(3) comentou:
04/09/2011
O DOM BOSCO ERA UM COLÉGIO SUPER RESPEITADO NA CIDADE E SEUS DIRETORES TAMBÉM. NÃO ACREDITO QUE TIVESSEM INTERESSES PARA AGRADAREM O GILBERTO MESTRINHO. ERAM INDEPENDENTES E SE RECEBIAM AJUDA ERA DE EMPRESÁRIOS DA CIDADE, NÃO DO ESTADO.
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vania tadros comentou:
04/09/2011
Em 1962 EU JÁ TINHA ONZE ANOS E LEMBRO BEM DO PE HERMANO E PE AGOSTINHO CONVERSANDO COM O PAPAI DIZENDO QUE O DOM BOSCO IA DESFILAR NAS DUAS DATAS PORQUE SETE DE SETEMBRO ERA A DATA CÍVICA MAIOR DO PAÍS. NÃO FOI PARA AGRADAR NINGUÉM E SIM PASSAR IDÉIA DE CIVISMO AOS ALUNOS. ELES SEMPRE CAPRICHAVAM NO DESFILE DO DOM BOSCO. OS ALUNOS IAM TAMBÉM DE JIPE, CAVALOS, BICICLETAS. ERA UMA FORMAÇÃO LINDA QUE COMEÇAVA NA EPAMINONDAS.
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VANIA TADROS 1 comentou:
04/09/2011
DEVIDO AO PADRE AGOSTINHO MARTIN SER ESPANHOL ERA MUITO AMIGO DO MEU PAI E ATRAVÉZ DELE HAVIA MUITA AMIZADE ENTRE AGUNS PADRES SALESIANOS E MINHA FAMÍLIA ENTRE ELES O PADRE HERMANO que frequentavam a minha casa.
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VANIA NOVOA TADROS comentou:
04/09/2011
O desfile das escolas seria util se os diretores e professores tivessem coragem de desenvolverem temas demonstrando a nossa insatisfação com a administração pública brasileira, com a forma de fazer política. Ninguém poderia reclamar porque a senhora Presidente foi ciada nos movimentos políticos de contestação. O mesmo aconteceu com o GovernadoR Omar Aziz. Eles iriam aceitar bem. O povo é que está a cada dia mais frouxo.
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Elson de Melo comentou:
04/09/2011
Bessa Desculpe, eu quis dizer Cabanos de Cabanagem onde está "canos"
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Elson de Melo comentou:
04/09/2011
Camarada Bessa A comemoração do 5 de setembro no Amazonas, é o triunfo da covardia! Que digam os Canos. Se não fosse isso, com certeza o Sinésio, Amazonino... estaria em Belém. Com eles para aquelas bandas, o majestoso Encontro das Águas, não estaria em perigo de sucumbirem a sua paisagem! Comemorar o que mesmo!
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Serafim Correa (1) comentou:
04/09/2011
A vantagem de nós, os mais velhos, é que conhecemos a história por termos vivido. Até 1962, havia só desfile de 7 de setembro. Os colégios públicos e privados desfilavam juntamente com a Policia Militar e o Exercito. Naquele ano, houve um comício do Paulo Nery em Educandos e o Gilberto que era o Governador mandou a PM acabar com o evento. O sargento Alvaro Maranhão era do lado do Paulo Nery e foi atrás do general Muniz de Aragão que mandou a PE garantir o comício.
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Serafim Correa (2) comentou:
04/09/2011
O Gilberto considerou uma intervenção indevida e decidiu que a escolas públicas não prestigiariam o desfile de 7 de setembro, nem ele como Governador compareceria, em represália. Pediu ao Jango, que era o Presidente, a remoção do General, que aconteceu logo depois. E para completar decidiu que as escolas públicas e a PM fariam o desfile de 5 de setembro que ele criou em homenagem à "independencia" do Amazonas.
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Serafim Correa (3) comentou:
04/09/2011
Lembro bem disso por conta de um fato: eu era da banda do Colégio Dom Bosco e o seu diretor Padre Hermano Schilp tomou a decisão inusitada de ficar ao lado do Governador e do general ao mesmo tempo determinando que o Dom Bosco compareceria aos dois desfiles. O desfile de 5 de setembro foi muito mais um ato político de campanha do PTB do que qualquer outra coisa. E na sequencia foi mantido, só como um desfile estudantil, enquanto o 7 de setembro ficou como o desfile militar.
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Maria Sandra comentou:
04/09/2011
Penso que é para nunca nos esquecermos de nossa pseudo independência, hahahahahaha.
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IAkTiAokXY comentou:
08/06/2012
Estou indo no inedcio de junho a Bariloche. Irei apenas como cmanophia do meu marido nas estae7f5es de esqui, je1 que ne3o vou esquiar. Mesmo assim, preciso ir com casacos impermee1veis e te9rmicos?Seu site e9 muito bom!c2ngelaRespondendo: Obrigado c2ngela. Um casaco te9rmico (digo, um casaco que proteja do frio numa temperatura em torno de zero grau) e9 indispensavel para vocea transitar na estae7e3o. Os ambientes fechados se3o aquecidos mas vocea vai se deslocar no exterior. Passear ao ar livre faz parte da grae7a da estae7e3o. Se vocea ne3o pretende fazer desse programa (estae7f5es de esqui) uma rotina, alugue um casaco na cidade ou pee7a emprestado a um amigo. Suba nos bondes fechados e tome um cafe9 no alto da montanha. A vista merece a subida. Seu marido podere1 interromper o esqui para tomar um cafe9 ou chocolate com vocea. Boa viagem. Contato de IAkTiAokXY
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Giane comentou:
04/09/2011
Comemorar o quê? Quem comemora? Parada militar ou escola de samba? Viva o 5 de setembro? O que interessa agora é saber quando o Amazonas deixará de ser província. É repetitivo dizer, mas.. mandou bem Bessa, mais uma vez!! Beijos..
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André Ricardo comentou:
04/09/2011
Muito interessante. História do Amazonas é o que mais me interessa aqui... Então se não fosse o 5 de setembro teríamos matado menos índios... Não duvido.
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