CRÔNICAS

Patrimônio: o nosso e o deles

Em: 22 de Dezembro de 1995 Visualizações: 2221
Patrimônio: o nosso e o deles

“Museu é o lugar que segura as coisas do mundo”. Orácio Ataíde, Ticuna. 1992

Afinal, o que é que o patrimônio tem a ver com identidade?

Há momentos em que sentimos vergonha de assumir, publicamente, a nossa identidade amazonense. Cada vez que a grande imprensa zomba do senador Gilberto Miranda, referindo-se a ele como “representante do Amazonas”, dá uma vontade danada de ter nascido no Piauí. O senador sem nenhum voto e também o outro Gilberto, o Mestrinho, que lhe deu carona nos humilham e nos rebaixam com a ausência de qualquer princípio ético em seus atos e com suas presepadas e fanfarronadas.

Felizmente, existem também momentos reconfortantes que nos enchem de orgulho da nossa identidade Baré. Um deles ocorreu nesta segunda (18), no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, durante a entrega do prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Durante a solenidade presidida pelo ministro da Cultura, Francisco Weffort, valeu a pena ser amazonense. Duas instituições do Amazonas foram homenageadas: o Museu Amazônico da Universidade do Amazonas (UA), dirigido pelo historiador Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, com menção na categoria “Preservação de Acervos Culturais” e o Museu Magüta do Centro de Documentação e Pesquisa do Alto Solimões, que obteve o prêmio na categoria “Educação Integrada ao Trabalho Comunitário de Valorização da Memória Nacional”.

O prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade está para o patrimônio nacional assim como o Oscar está para o cinema. Trata-se de um reconhecimento formal do IPHAN e do Ministério da Cultura do valor daquelas instituições que durante o ano se destacaram na difícil tarefa de preservar e divulgar o patrimônio cultural brasileiro. As instituições são indicadas pelas quatorze coordenações regionais do IPHAN, compreendendo todo o território nacional. Em seguida, uma Comissão Nacional seleciona apenas os seis avaliados como os melhores.

O Museu Magüta concorreu com dez instituições, entre as quais algumas de prestígio como o Museu Vivo da Memória Candanga (Brasília), a TV Cultura (SP), o Ecomuseu do Matadouro de Santa Cruz (RJ), a Escola Bosque de Belém( PA), a Fundação do Homem Americano (Piauí) pelo gerenciamento do patrimônio arqueológico e natural da Serra da Capivara, a Universidade de Caxias do Sul (RS) pelo registro das antigas colônias italianas, a Companhia Vale do Rio Doce (MG) pelas atividades culturais promovidas e o Banco Real que apoiou manifestações na área do patrimônio.  O Magüta ganhou o primeiro lugar.

O ponto alto da solenidade ocorreu quando Constantino Ramos Lopes Copeatücü, diretor do Museu Magüta, subiu ao palco para receber o prêmio. Fez um discurso em língua ticuna, logo em seguida traduzido por ele mesmo, destacando o papel do Magüta na educação tanto de indígenas como de não indígenas do Alto Solimões e na relação entre eles. Foi a primeira vez que uma língua indígena se fez ouvir num evento cultural desse porte.

A assessora e uma das criadoras do Museu Magüta, Jussara Gomes Gruber, convidada por Constantino a subir ao palco, fez um breve histórico deste museu indígena, situado em Benjamin Constant, na fronteira com o Peru e a Colômbia, criado numa época em que os Ticuna estavam mobilizados na luta pela demarcação de suas terras. Salientou a função do Museu no processo de resgate da história ticuna e sua originalidade, que já o fizeram merecedor de outro prêmio concedido pelo ICOM – Conselho Internacional de Museus.

Várias foram as definições de Museu dadas pelos professores Ticuna depois de terem contato pela primeira vez com essa instituição que para eles era, antes, desconhecida.

 - Museu é uma casa de alegria – explicou o professor Valdomiro da Silva. Seu colega Diodato Aiambo, depois de ver os personagens míticos materializados em desenhos coloridos exibidos na exposição, definiu: - Museu é um lugar que serve para colorir o pensamento. Era a primeira vez que ele via a tradição oral convertida em imagem.

Liverino Otávio passou o dia inteiro observando detalhadamente as 420 peças – máscaras rituais, esculturas de madeiras, colares, cestos, redes e bolsas, fotos de antiga malocas, acompanhado de seu filho e concluiu: - Museu é um lugar que serve para guardar o nosso futuro”.

Finalmente o ticuna Orácio Ataíde, preocupado com a tradição oral, seriamente ameaçada pelo contato com a sociedade regional, ao vê-la representada em outros suportes físicas – desenhos e fitas gravadas com as narrativa – deu uma belíssima definição: - Museu é o lugar que segura as coisas do mundo.

O Museu Magüta e o Museu Amazônico da UA são – esses sim – os representantes reais do Amazonas, que seguram as coisas do nosso mundo e guardam o nosso futuro, o nosso patrimônio cultural, a nossa identidade. Quanto ao desfigurado senador Gilberto Miranda e a quem lhe assegurou o mandato, eles estão ocupados apenas com o aumento do seu próprio patrimônio pessoal.

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