CRÔNICAS

O Estado Cafetão: os cassinos de Manaus

Em: 02 de Abril de 1997 Visualizações: 7409
O Estado Cafetão: os cassinos de Manaus

.Amazonino - Mas aqui existe cassino, roleta? Nunca ouvi falar nisso. (Amazonino se vira e manda chamar Klinger, que está numa sala ao lado). Klinger, existe cassino aqui?

Klinger - ????

Repórter do GLOBO - Tem um monte de cassinos logo ali. O delegado Mariolino Brito é frequentador assíduo.

Amazonino - Onde ficam? 

Repórter - Na zona portuária

Klinger - Desconheço esse assunto. O Mariolino frequenta bares do porto, porque o contato com ladrões é inerente à sua função.

Amazonino (virando-se para o secretário de Segurança) Klinger, não tem explicação. Já está tudo comprovado com fotos.

Este é um trecho resumido da entrevista publicada dia 27, quinta-feira, no jornal O GLOBO. A foto que ilustra a matéria é primorosamente informativa: Amazonino, com a boca aberta, aparece numa postura tão esdrúxula, que seus adversários políticos certamente gostariam de divulgá-la. Confessou que não dormiu nos últimos dois dias.

Quem tirou o sono de Amazonino foram dois jornalistas: o repórter Amaury Ribeiro Jr. e o fotógrafo Luis Carlos Santos, enviados especiais do GLOBO a Manaus. Durante três semanas, eles visitaram cassinos, boates, motéis, bares, delegacias, repartições públicas, gabinetes, escritórios, favelas e outras bibocas, xeretando, apurando, conferindo, checando e cruzando informações, num trabalho profissional sério e responsável, digno de figurar no currículo das Escolas de Jornalismo.

Conversaram com crianças prostituídas, cafetões, ladrões, donos e frequentadores de cassinos, seguranças de boates, garçons, taxistas, policiais, lavadores de carro, mendigos, flanelinhas e mariolinos, tiradentes e lupércios, traficantes e turistas, doutores, procuradores, juízes, promotores, padres, freiras, assistentes sociais e oscambau a quatro. Penetraram no submundo do crime. Resultado: há dez dias ocupam a primeira página do GLOBO, disputando a manchete principal com a CPI dos precatórios.

Fartamente documentados, com fotos, endereços e nomes, os dois repórteres denunciaram a prostituição infantil em Manaus, praticada abertamente em praças e boates-cassinos chamadas de "disneylândias do sexo", envolvendo mais de 400 crianças, com a cobertura e a proteção da própria polícia. Até mesmo em hotéis respeitáveis, como no Novotel, funcionários oferecem meninas aos hóspedes.

"Feita a denúncia, o governador do Estado declarou-se surpreendido. Deve viver no mundo da lua, o governador", ironizou o jornalista Franklin Martins, em sua coluna enviada de Brasília para o GLOBO. A mesma reação teve a doméstica amazonense Jane Júlia Machado, atualmente moradora em Copacabana. Ex-prostituta em Manaus, ela comentou com o jornalista Aziz Filho: "Há quanto tempo este homem (Amazonino) conhece Manaus?"

Os amazonenses não têm ideia do enorme impacto das denúncias, que repercutiram em outros jornais nacionais e estrangeiros e escandalizaram todo o País. Hoje, desde um gari de Porto Alegre, passando por um estudante do Nordeste, até um profissional liberal do interior de São Paulo ou um balconista de Goiás, todos sabem e se horrorizam com aquilo que Amazonino disse ignorar.

O escândalo foi tal que o Ministério da Justiça convocou reunião de emergência para decidir o que fazer, mobilizando seu alto escalão: o chefe de Gabinete e Coordenador do Programa Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, a Secretária de Cidadania, Alaíde Santana e a Chefe do Departamento da Criança, Sônia Portela, que deve ter chegado ontem em Manaus para tratar do problema.

Quando percebeu que não podia negar os fatos, Amazonino garantiu que iria assumir pessoalmente o comando do combate à exploração de menores. Deu ordens para Klinger - logo para quem! - realizar blitz contra a prostituição de meninas e anunciou a criação da Secretaria de Cidadania e Justiça, nomeando para o cargo o respeitado advogado Felix Valois.

Os proprietários dos cassinos, avisados com antecedência da ação policial, esconderam as roletas e as crianças que ali se prostituíam Apenas algumas pessoas foram presas e alguns hotéis fechados, com certo estardalhaço. Segundo o procurador de Justiça do Amazonas, Carlos Coelho, trata-se de uma maquiagem destinada a esconder a prostituição infantil. O GLOBO, em editorial intitulado "Ação e Jogo de Cena", também criticou as medidas: "Criar órgãos com nomes pomposos é providência habitual de quem não se dispõe a enfrentar problemas".

Realmente, é difícil imaginar um cara íntegro como Valois atuando ao lado de "colegas" como Klinger e Tiradentes. Acontece que ninguém confia mais nas autoridades estaduais do Amazonas, sobretudo na polícia, que está podre. O jornalista Márcio Moreira Alves lembra em sua coluna que Amazonino dissolveu a polícia em seu primeiro governo, alegando que era impossível separar agentes honrados de bandidos. "Na recomposição da Polícia, parece terem conseguido resolver o problema. Só readmitiram os bandidos", escreve Márcio.

Segundo O GLOBO, a cúpula da polícia do Amazonas está envolvida com crimes. "O secretário Klinger Costa, sócio de um escritório particular de cobrança, é acusado de usar o cargo para cobrar dívidas de seus clientes. Ele comanda pessoalmente a tortura e a corrupção policial em Manaus, mantendo uma sala de torturas na Secretaria de Segurança, uma polícia paralela, além de uma penitenciária particular".(24/03, p.5)

Por isso, o Conselho de Defesa das Crianças e Adolescentes (CONANDA), do Ministério da Justiça, através de seus vice-presidente, Charles Pranke, e algumas ONGs querem que a investigação seja feita pela Polícia Federal. O deputado Hélio Bicudo informou na sexta-feira ao GLOBO que "o governador foi omisso, porque desde janeiro deste ano está informado dos fatos". Ele pediu à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal para processar Amazonino por crime de responsabilidade.

Na realidade, o governador é o maior, mas não o único responsável. Nós também o somos, leitor. Eu, tu e todos nós que permitimos, sem gritar e espernear, a transformação do aparelho de Estado em uma organização marginal, capaz de dar cobertura a tantos crimes, incluindo a prostituição infantil. Uma sociedade que não impede a prostituição de suas crianças está ferrada. Não tem futuro. Já imaginou, leitor (a), tua filha de 10 anos nessa situação? O Estado marginal, denunciado pela ex-deputada Beth Azize, revela-se agora um Estado-cafetão.

P.S. - Depois de amanhã, será aberta no Palácio Rio Negro a exposição "Memórias da Amazônia", centrada na coleção etnográfica de Alexandre Rodrigues Ferreira, organizada pelo Museu Amazônico, da UA, com o apoio de universidades portuguesas. Trata-se de um evento grandioso, com ampla cobertura na imprensa nacional, o que tem contribuído para limpar a imagem do Amazonas, mais suja do que pau de galinheiro.

 

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