CRÔNICAS

As pupilas de Vossa Pai-Deguança

Em: 04 de Março de 2001 Visualizações: 6363
As pupilas de Vossa Pai-Deguança
Pai-d'eguíssimo Reitor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
Lourenço Braga
José Ribamar Bessa Freire, amazonense, nascido e criado no Beco da Bosta, no bairro de Aparecida, 53 anos, torcedor do São Raimundo, tio do "Pão Molhado", autor de uma coluna semanal no jornal A Crítica, provisoriamente residente no Rio de Janeiro, onde trabalha como professor universitário, se dirige mui respeitosamente a Vossa Pai-d'eguança para expor e requerer o que se segue:
1. Questão preliminar: um reitor, em qualquer outro lugar do mundo, é apenas o senhor reitor. No Brasil, ele é 'Magnífico'. Criou-se até um pronome de tratamento para o caso: Vossa Magnificência. Esse salamaleque torna-se dispensável no Amazonas, porque aqui tudo o que é magnífico vira pai-d'égua. Permita-me, pois que o chame de Pai-d'eguíssimo, termo bem apropriado para designar o dirigente de uma universidade local, ainda mais se ele tem, como é o caso, uma tremenda pinta de pai-d'égua, seja lá o que isso possa significar.
2. Quero, em primeiro lugar, parabenizá-lo pelo nascimento da UEA, embora sabendo que o pai da criança - mesmo rimando - não é Vossa Pai-d'eguança. De qualquer forma, todos nós, amazonenses, estamos de parabéns com a criação de uma universidade pública e gratuita, que desperta esperanças e estimula os sonhos de, pelo menos, quase 150 mil estudantes que se inscreveram no vestibular, cuja primeira etapa se inicia hoje.
3. É o caso da leitora M. Lobo, que estudou a vida inteira em escola pública e ficou sem condições de competir com alunos de colégios particulares no vestibular da Universidade Federal - a UA. Conseguiu entrar no CIESA, onde atualmente cursa Administração. "A mensalidade da faculdade é muito maior do que o meu salário", ela se queixa. A UEA é a sua possibilidade de livrar-se do pagamento desse tributo tão injusto, que enriqueceu os niltons, os lins e todos os taberneiros da educação.
4. No entanto, ela e outros leitores, com os quais conversei via Internet, estão desconfiados. Manifestam perguntas, dúvidas e o temor de que uma ideia tão boa seja desvirtuada, devido à pressa com que foi criada a instituição dirigida por Vossa Pai-d'eguança. Ninguém viu a barriga do Amazonas crescer durante nove meses, grávido de sua universidade. Por isso, todo mundo estranha como é que nasceu, assim, do nada, com uma simples canetada.
5. A leitora E. Góes, engenheira florestal, cursando o mestrado do INPA, resume muito bem essa preocupação: "Achei a UEA uma coisa tão repentina, sem planejamento. Estou temerosa quanto à sua qualidade. São muitos cursos e não vejo estrutura física e de pessoal para esse projeto. Torço para estar errada". Ela quer saber se a criação da UEA pode ser "uma estratégia populista, de marketing, ou até mesmo eleitoreira", mas como o sinal de interrogação do seu teclado não funciona, sua pergunta virou uma afirmação. 
6.. De qualquer forma, as preocupações são duas: instalações físicas e professores. Quanto à primeira, Darcy Ribeiro, que criou várias universidades, dispensa prédios suntuosos. Ele diz: "Aula você pode dar até debaixo de uma árvore. O que faz uma universidade, além de biblioteca e laboratório, é professor competente e aluno motivado". E é aqui que o fiofó da cotia começa a assoviar. A UEA tem 150 mil candidatos, motivadíssimos, mas nenhum professor, a não ser Vossa Pai-d'eguança, que, data vênia, entrou pela janela.
7.. O vestibular se realiza hoje e Vossa Pai-d'eguança até agora não publicou sequer um edital de concurso para docentes. Como Vossa Pai-d'eguança pretende recrutá-los? Eles também entrarão pela janela? Dizem que as pupilas do senhor reitor se dilatam quando se fala em cargos, funções gratificadas ou qualquer tipo de vantagem financeira e social. Um professor de física da UA, já aposentado, me escreveu, indagando: "Sabendo que o reitor da UNIBRAGA - assim ele chama a UEA - é o Lourenço, será que vai sobrar vaga para professores depois que ele acomodar toda a família Braga?"
8. A indagação procede, porque há quem jure de pés juntos que a família de Vossa Pai-d'eguança se atira com tremenda voracidade sobre os empregos públicos. Eles chamam a Secretaria de Estado de Cultura, Turismo e Desporto de TURISBRAGA, homenageando Robério Braga, codinome Berinho, pela quantidade de filhos, sobrinhos, tios, netos, cunhados, genros, noras, parentes, aderentes e xerimbabos que ele colocou lá dentro. Dizem que a profissão não importa: psicólogo, fonoaudiólogo, topógrafo, o que interessa é o sobrenome.
9. Contam as más línguas que a atriz Sônia Braga, convidada para o lançamento em Manaus de seu filme 'Dona Flor", ao desembarcar no Eduardo Gomes, foi abordada por um funcionário que, com um papel na mão, lhe exigiu: "Assina! Assina aqui!". Atônita, ela respondeu: "Assinar o quê?". Ele falou: "Assina o termo de posse". Ela retrucou: "O senhor está confundindo. Não sou de Manaus. Sou a Sônia Braga". O funcionário: "Pois é. É a senhora mesmo. Todo Braga, em Manaus, está automaticamente contratado como aspone da Secretaria de Cultura e Turismo." 
10. Se a UNIBRAGA recrutar os professores com os mesmos critérios da TURISBRAGA, vamos entrar numa friúba - aquele frigorífico falido de Iranduba - porque "um professor medíocre, não concursado, como uma maçã podre, gangrena os demais". Quem afirma isso é o sociólogo alemão Max Weber (1864-1930), que em 1908 escreveu artigos furibundos na Gazeta de Frankfurt contra o ministro da Educação da Prússia, Frederico Althoff, porque ele nomeou um amigo de sua panelinha como professor de Economia para a Universidade de Berlim, sem concurso: uma indecência acadêmica.
11. Por isso, não seria descabelado imaginar que a UNIBRAGA pode ser para a educação o que o Terceiro Ciclo foi para a economia do Amazonas: um fiasco, que existe só no papel e no gogó. Recente estudo da ONU diz que a miséria, a fome, a mortalidade infantil e a falta de saneamento básico atingem 46 municípios do Amazonas, considerados os mais pobres do país. Onde estão as promessas mirabolantes terceiro-ciclistas?
12. A leitora M. Lobo, já citada, termina a carta que me escreveu, dizendo que "essa UEA pode ser uma fonte de falsas esperanças, porque até agora ninguém sabe como vai funcionar e qual o seu objetivo real: se é de abafar um momento de baixa popularidade do governador ou realmente dar uma chance aos muitos que, como eu, gostariam de ter um ensino de qualidade e gratuito".
Diante do exposto, Pai-d'eguíssimo reitor, o requerente solicita que esse requerimento não seja engavetado e que as dúvidas dos leitores dessa coluna sejam esclarecidas. Conclui em forma chique, dizendo como os franceses: Veuillez agréer, Monsieur Le Recteur, Le pére de la femme du cheval et le beau-pére du cheval, mes salutations distinguées.
Nesses Termos,
Pede Deferimento
Manaus, 4 de março de 2001

P.S - Vossa Pai-d'eguança, intrigado, deve perguntar-se: "Tudo bem, mas o que esse tal de "Pão Molhado" tem a ver com a UEA". Respondo: Absolutamente nada. Ele entrou aqui como Pilatos no Credo. Estou apenas atendendo um pedido dele: "tio, bota meu nome na crônica, que eu quero mostrar na escola". Como Vossa Pai-d'eguança pode constatar, é puro nepotismo. Não sou Braga, mas não resisto ao pedido de um sobrinho..

Comente esta crônica



Serviço integrado ao Gravatar.com para exibir sua foto (avatar).

Nenhum Comentário