CRÔNICAS

Afinal, Amazonino, o que é inclusão digital?

Em: 03 de Outubro de 2004 Visualizações: 7136
Afinal, Amazonino, o que é inclusão digital?
Não é pra me gabar não, mas suspeito que levo ligeira vantagem sobre os meus coleguinhas jornalistas. Eles vivem fuçando aqui e ali, apuram fatos, cobrem eventos, perguntam, entrevistam, investigam, vasculham, testemunham, opinam, interpretam e fotografam, com muita eficiência, tratando de manter o leitor bem informado. No entanto, como o compromisso deles é só com a notícia, acabam escravizados por ela. Por isso, só relatam fatos objetivos, concretos, palpáveis, reais, ou seja, aquilo que existe e pode ser provado, ao contrário do papaizinho-aqui, que trabalha com o não-acontecido, o incomprovável, o incomensurável, o indizível, enfim, a não-notícia.
Dou um exemplo: a cobertura do debate entre os candidatos a prefeito de Manaus, ocorrido na última quinta-feira. No dia seguinte, li os jornais e era como se estivesse vendo o programa ao vivo na televisão. Os repórteres registraram tudo: fatos, fatos e mais fatos, como a pergunta que o Arthur Bisneto, com a mesma agilidade e malícia herdada do pai, fez ao Amazonino, no segundo bloco:
- “Estamos no século XXI. Qual o seu projeto para a inclusão digital de jovens e idosos?”
O ex-governador parou, ficou em silêncio durante alguns preciosos segundos, respirou fundo, balançou a cabeça para um lado e para o outro, para cima e para baixo, e indagou ao mediador:
- “O quê? Impressão digital?”.
Foi assim que os jornais registraram o fato, se limitando a contar aquilo que foi visto pelo telespectador. Alguns avançaram uma interpretação: “ele ficou engasgado, apalermado e confuso”. Bom, até aí morreu Neves. Mas o que o leitor queria mesmo saber era o que passou realmente pela cabeça do Negão naquele momento, o que foi que ele pensou. Essa era a verdadeira notícia. Mas esse dado incapturável, imponderável, inacessível, ninguém contou.
Ninguém, vírgula. A coluna Taquiprati enviou para as trincheiras do debate a estagiária de sua equipe, a repórter Ariranha do Jardim Espanha. Magricela, essa estudante de jornalismo conseguiu deslizar para dentro do cérebro do Negão, e agora relata tudo o que viu lá, em primeira mão, para os nossos fiéis leitores.
Aliás, não é a primeira vez que realizamos tal façanha, aprendida com Machado de Assis, que um dia entrou na cabeça do Cônego Matias para descobrir de onde ele tirava as palavras que pronunciava em seus sermões. (Vai, leitor, procura ler “O cônego e a metafísica do estilo”, que é um conto delicioso. Taquiprati também é cultura).
O cérebro do Negão
Afinal, o que foi que a estagiária Ariranha, nossa enviada especial, viu lá dentro da caixa craniana do Negão? Ela deu logo de cara com alguns neurônios, especializados em determinados assuntos. Cada vez que alguém interessado em corrupção pergunta sobre a Operação Albatroz, entra em ação o Neurônio SAI-RAIVA. Quando a questão é remessa de dólares para o exterior, quem responde é o Neurônio ANH?-NAN. Mansão do Tarumã? Deixa com o Neurônio EGGBERTO X-9. Todos eles têm respostas na ponta da língua. No entanto, a estagiária descobriu que no cérebro do Negão não existe qualquer neurônio especializado em “inclusão digital”. Daí, a confusão.
Essa falha, é bom que se diga, não é só do Negão. Como regra geral, ela atinge toda a nossa geração, que não nasceu com células nervosas especializadas em informática. A minha prima Rose, por exemplo, que mora em Niterói. Outro dia, ela estava diante do computador aberto, e não sabia como acessar o “Google”. Telefonou para seu marido, que nesse momento está em Manaus, onde foi votar. Por telefone, ele orientou: “abre a janela da direita”. Em vez de clicar com o mouse, ela se levantou e abriu a janela do quarto. Não estou inventando não! Se o leitor tem boa memória, a Rose já foi citada nessa coluna, impressionada porque um tal de Esmail vivia escrevendo mensagens para o Heyrton.
Pois é! O Negão é como a Rose e como esse que batuca essas mal traçadas linhas: não entende lhufas de informática, nem dos problemas relacionados às novas tecnologias. Por isso, quando o Bisneto perguntou, lá fora, sobre a inclusão digital, a repórter Ariranha reparou, lá dentro, que vários neurônios faziam piruetas. Eles, efetivamente, começaram a tremer, porque só lembravam do termo ‘impressão digital’, e, então, ficaram com medo de – na linguagem policial – “tocar piano”, o que significa indiciamento criminal.
Onde enfiar o dedo?
Depois que, lá fora, o mediador corrigiu, falando claramente ‘inclusão digital’, a estagiária Ariranha do Jardim Espanha viu, lá dentro, quando um neurônio consultou o dicionário, verificando que ‘inclusão’ vem de incluir, isto é, entrar, inserir, penetrar, meter, enfiar, e ‘digital’ vem de dígito, que significa ‘dedo’.
– Epa! Onde é que o Bisneto quer enfiar o dedo?
Esse foi o verdadeiro pensamento do Negão, no momento da pergunta. Por isso, ele ficou com aquele ar de devoto de Santa Etelvina.
Logo a seguir, nossa repórter Ariranha notou que um dos neurônios, lá de dentro, esclarecia: “inclusão digital tem a ver com o uso do computador”. Lá fora, diante das câmeras de tv, o Negão não hesitou: “É uma coisa séria, muito séria e muito complexa. Mas eu já vinha fazendo isso no meu governo. Coloquei computadores na polícia, na saúde e em toda a administração, e vou colocar agora no COAF”.
A palavra retornou ao Bisneto para a tréplica:
- O sr. não respondeu minha pergunta. Confundiu inclusão digital com informática, são duas coisas distintas, pois a segunda é meio para se alcançar a primeira.
A repórter Ariranha nota que, lá dentro, os neurônios estão lesando, abestalhados. Lá fora, o Negão responde, com uma careta diz-que inteligente:
- Ora, isso é apenas uma questão de conceitos e palavras, é tudo a mesma coisa, vamos democratizar o acesso à informação, os jovens, velhos, crianças e adultos, no meu governo, terão Internet.
Ao lado do Negão, outro candidato, “laranja”, com um crucifixo no peito, aplaude, subserviente. É o Beato Salu, oriundo de Eirunepé, cujos neurônios estão altamente especializados em puxa-saquismo.
P.S.1 - Primeiro, escrevi uma crônica intitulada “Se essa rua fosse minha”, contando como a rua Carolina das Neves, no bairro de Aparecida, conhecida popularmente como Beco da Bosta, subiu de status e passou a se chamar Rua Elisa Bessa, graças a um projeto do vereador Leonel Feitosa. Depois, escrevi outra crônica “O Diário e as diárias”, comentando como alguns vereadores se transformaram em verdadeiros “papa-diárias”, se locupletando com o dinheiro público. No entanto, as cartas de leitores que entupiram minha caixa de correspondência exigiram que o tema fosse o debate entre os candidatos à prefeitura. Fui obrigado a me curvar diante da vontade do leitor, a quem desejo, hoje, que vote consciente, pensando no que é melhor para nossa cidade.

P.S. 2 - Durante 641 dias Lula presidiu o país e nada de homologar a Terra Indígena Raposa Serra do Sol..

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