CRÔNICAS

Operação Vorax em Coari: a sobremesa está gostosa

Em: 17 de Agosto de 2008 Visualizações: 9994
Operação Vorax em Coari: a sobremesa está gostosa

Na escuta que originou a Operação Vorax, a Polícia Federal gravou, entre outros, quatro telefonemas, num total de dez minutos, que foram suficientes para expor – digamos assim – certa intimidade entre a juíza de Coari, Ana Paula Braga, e pessoas indiciadas como integrantes da quadrilha comandada por Adail Pinheiro, prefeito de Coari, que recebe anualmente até R$ 45 milhões em royalties da Petrobrás referentes à exploração de gás e petróleo. A quadrilha é acusada de peculato, corrupção ativa, sonegação fiscal, fraude em documentos públicos e prostituição.

A estagiária de História

O primeiro telefonema, às 18h:41 do dia 07/11/07, durou dois minutos. Quem ligou para a juíza foi Adriano, pau-mandado de Adail. Ela pede ajuda para conclusão da casa na qual reside. Em troca, ele pede a contratação de uma estagiária pela Secretaria de Cultura, cujo titular é Roubério Braga, pai da juíza.

ADRIANO começa perguntando se as noticias para ele eram boas.

ANA PAULA BRAGA (APB) responde que mais ou menos. Reclama: “E a minha casa tá parada, porque não tem material, entendeu?”

ADRIANO – “Eu não acredito, doutora. Eu tou chegando aí amanhã, mas eu precisaria de um favor seu”

APB – “Diga lá”.

ADRIANO pede que a juíza fale com seu pai. Quer que a Secretaria de Cultura contrate como estagiária a filha de uma amiga dele, aluna de História na UFAM.

APB diz que vai falar com o pai, que acha que vai arranjar sim. Neste instante, Adriano promete: “Eu vou resolver sua situação agora”. Ana Paula diz para Adriano trazer o currículo da moça que ela entrega para o pai. Desligam.

O cimento do meu muro

O segundo telefonema, às 09h:23 de 08/11, dura um minuto e meio. A doutora está chateada porque Adriano não cumpriu sua parte. Ela engrossa. Fala até em prisão. Nessas alturas, o estágio da aluna de História parece ameaçado.

ADRIANO – “Bom dia, doutora Ana Paula”.

APB – “Adriano, meu amigo, você quer ir preso?”

ADRIANO - “Eu não quero ir preso não, doutora. Não foi ninguém na sua casa?”

APB – “Não. Eu tou aqui, porque o Ed pediu pra eles tirarem os paus lá da palha e tal. E eles disseram que ninguém deu ordem pra eles fazerem isso. Que eles não vão fazer sem ordem, que depois vão chamar a atenção deles. Não tem areia pra eles fazerem a parte do cimento do meu muro e tal. Tá faltando um monte de coisa. E eles só tão vindo trabalhar de manhã, porque não tem material para trabalhar de manhã e de tarde”.

ADRIANO – “E ainda não tiraram a palha não?”

APB – “Eles tiraram as palhas, mas não tiraram os paus, porque ninguém deu ordem pra eles tirarem os paus”.

ADRIANO – “Tá. Eu vou, vou resolver agora, doutora. Eu não quero ir preso não. (...) Doutora, me dê meia hora pra mim resolver. Me dê só meia hora. Só meia hora”.

Eu fui grossa contigo

No terceiro telefonema, às 13h:45 do mesmo dia 8, com duração de mais de cinco minutos, a doutora pede desculpas, se entende com Adriano, encomenda uma lasanha com molho branco e se interessa pela aluna de História. Adriano diz que Adail não permitirá – vejam só – desrespeito ao Judiciário.

ADRIANO – “A senhora não quer mais papo comigo é só a senhora falar que eu não te pertubo, eu não ligo mais, não perturbo, nada?”

APB – “Não, eu quero te dizer uma coisa, aquela hora que te liguei, na hora do almoço, não sei, era pra te pedir desculpas, Adriano”.

ADRIANO – “Por que?”

APB – “Porque...eu fui meio grossa contigo, mas é porque eu estava chateada com o negócio da obra, entendeu?”

ADRIANO – “Não, a senhora não foi grossa comigo não”.

APB – “Fui sim, tu me deu bom dia, eu nem te respondi bom dia, já fui logo despejando em cima de ti. (Os dois gastam um tempão em rapapés, fui grossa, não-foi-não, fui sim, absolutamente não, etc).

ADRIANO – “Naquela hora que a senhora me ligou (...) eu estava em reunião com os secretários e o prefeito, ele olhou para o secretário de obras e disse assim: secretário, eu só não lhe demito agora porque não tenho ninguém para colocar no seu lugar, porque o que você está fazendo com a doutora Ana Paula, com a juíza, é um desrespeito ao Poder Judiciário, se você não é capaz de fazer as coisas, peça para se demitir. Ele baixou a cabeça. Foi feia a reunião de manhã lá”.

APB se queixa que teve que providenciar pessoalmente andaime, escada e eletricista, pedreiro e comprar areia com dinheiro próprio, tudo isso de manhã.

ADRIANO – “Mas eles foram lá hoje à tarde?”

APB – “Parece que foram, o Paulo Bonilla me ligou pedindo milhões de desculpas”.

ADRIANO – “Mas eu vou ressarcir esses danos, a senhora não tem que gastar nada, tem o convênio e a gente tem que cumprir”.

APB – “Não se preocupe, o problema era de R$70,00 e meia carrada de areia que estava pendente”....(depois de vários diálogos Adriano pergunta o que Ana Paula vai querer almoçar amanhã. Ana Paula diz que uma lasanha com molho branco. Adriano promete que vai providenciar. Ana Paula pergunta se a aluna de história deu o curriculum pra ele. Adriano confirma.

Já está no fogo

O último telefonema feito no dia seguinte, 09/11, às 13h:34 horas, durou apenas 59 segundos, porque a fome era grande.

APB – “Eu já desmaiei aqui de fome, mano”.

ADRIANO – “A senhora não quer mais me atender?”

APB – “O Bruno tava usando o meu telefone e não viu tu ligando”.

ADRIANO – “Quinze minutos no máximo tá ai, tá? Que eu acabei de dar uma guaribada, só tá no fogo, só fazendo...rapidinho.

APB – “Já estou desmaiando aqui, mas vou tentar sobreviver. Tá bom?”

ADRIANO - A sobremesa tá muito gostosa.

APB – Tá bom, tchau

Um inocente leitor do Blog do Hollanda, onde foi publicado o conteúdo dos telefonemas, comentou que não vê qualquer crime nessas conversas, talvez porque a promiscuidade entre a coisa pública e a privada seja tão comum que já foi naturalizada. As ligações revelam, no entanto, que algumas famílias privatizaram os aparelhos de Estado e que a gestão de recursos públicos em benefício próprio, a troca de favores e o clientelismo comprometem a independência e a autonomia do Judiciário.

Nessa quarta-feira, em sessão fechada, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas decidiu não abrir processo contra a juíza Ana Paula Braga, “porque não é mais juíza eleitoral e já existe uma investigação sobre ela no Tribunal de Justiça por conta da Operação Vorax”. O pai da juíza compareceu ao Tribunal e acompanhou a sessão. Quem sai aos seus, não degenera.

P.S. – Amanhã, o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público aprecia mais um processo administrativo contra o ex-procurador geral de Justiça do Ministério Público do Amazonas, Vicente Cruz-Credo, acusado do desvio de R$ 16 milhões e de contratar um bandido para matar seu colega.

 

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