CRÔNICAS

O saco do Papai Noel de igarapé

Em: 28 de Dezembro de 1993 Visualizações: 8977
O saco do Papai Noel de igarapé

.Como Michael Jackson, Papai Noel adora bilubear crianças. Não pode ver um bebezinho, que vai logo esticando o dedo indicador sobre seu lábio inferior, fazendo:

- Bilu-bilu, bilu-bilu!

Mas ao contrário do Michael Jackson, Papai Noel não ficou zangado quando a polícia examinou, apalpou e fotografou seu saco na última quinta-feira no aeroporto Eduardo Gomes. Dentro dele havia muitos presentes destinados a políticos e personalidades do Amazonas.

O velhinho tinha que começar a distribuir os presentes à meia-noite em ponto, mas ficou confuso com fusos horários de Manaus. Qual meia-noite? Do horário de verão, criado em pleno inverno local só para atender os interesses dos banqueiros? Ou meia-noite horário normal? Papai Noel acabou escolhendo uma terceira opção: o horário baré.

Foi assim que, no natal de 1993 a distribuição de presentes no Amazonas começou pontualmente à meia-noite, segundo os para-fusos horários de Santa Etelvina, isto é, às 23h30 (horário real) ou às 0h30 do dia seguinte (horário de verão).

O primeiro presente foi entregue na sede da Prefeitura Municipal de Manaus, em cuja porta havia um par de sapatos. Com um prendedor de roupas no nariz para não desmaiar diante do chulezão fedorento do prefeito, Papai Noel depositou em um dos sapatos uma fita cassete. No outro, colocou um boneco com uma mola no pescoço.

O conteúdo da fita fedia mais que o chulé. Gravada em setembro de 1991 durante reunião de trabalho da SERVAZ, a fita aponta Amazonino Mendes (PPR - vixe, vixe!) como principal intermediário de PC Farias na liberação de 12 bilhões de cruzeiros (moeda da época) para a empreiteira em troca de uma comissão de 13% do valor das obras, segundo denúncias publicadas no Jornal do Brasil. Peritos em linguística da UNICAMP atestaram a autenticidade da fita, quando descobriram a expressão "no entretanto" repetida cinco vezes e "quiçá" dez vezes.

O outro presente, um boneco com pescoço de mola, tem um sistema eletrônico alimentado por pilhas. À semelhança do último modelo da Barbie, cada vez que você aperta um botão, o boneco movimenta o pescoço e fala a seguinte frase:

- Onofre, cadê os meus 13%, Onofre?

Os diplomas

Da Prefeitura, Papai Noel seguiu para a Assembleia Legislativa. Abriu o saco e tirou lá de dentro diplomas destinados a dois deputados. Antes de fazer a entrega, leu a seguinte carta enviada para a Lapônia:

- Querido Papai Noel. Não pude estudar porque sou de família pobre e tive que trabalhar cedo para custear a educação escolar de meus irmãos.(Emocionado, Noel interrompeu a leitura com os olhos marejados de lágrimas). Meu maior sonho era ter um diploma: esse é o presente que desejo ganhar no natal". No lugar da assinatura, vinha uma impressão digital.

O bom velhinho pegou o diploma da Escola Altair Severiano Nunes, certificando que Ronaldo Lázaro Tiradentes havia concluído o segundo grau e colocou-o dentro do sapato do dito cujo com um bilhetinho: "No próximo ano te trago um diploma universitário da Faculdade Nilton Lins".

- Ho! ho! ho! - riu Papai Noel, lembrando da piada velha, manjada e gasta. Um professor do Colégio Militar telefonou à sua esposa para avisar que chegaria tarde para o almoço. Uma voz feminina atendeu:

- Alô!

O professor respondeu:

- Preta?

A voz feminina retrucou:

- Não. Aqui é da Faculdade Nilton Lins.

-  Desculpe. Foi engano.

- Engano é o cacete. Você já está matriculado. Passe aqui para pagar e pegar o recibo.

Com tais antecedentes, não há dúvidas de que esse era o presente ideal para Ronaldo Lázaro Tiradentes.

O outro presente era o diploma de "melhor deputado do ano" conferido ao presidente da Comissão de Educação da Assembleia, Sebastião Nunes. Combativo, inteligente, íntegro, solitário na luta para acabar com a excrecência do Tribulins, presente em todas as lutas do movimento popular, Sebastião Nunes foi o melhor presente que Itacoatiara deu para o Amazonas. É o contrapeso do Mamudinho.

- Com três Sebastião Nunes e três Eronildo Bezerra na Assembleia, o Amazonas acertava os ponteiros de seu relógio - pensou Papai Noel, enquanto se dirigia para a Câmara Municipal de Manaus.

Lá, já não havia qualquer sapato, porque César Bonfim passou antes na calada da noite e recolheu todos os pares para abrir uma sapataria na Zona Franca de Manaus. De qualquer forma, o velho Noel abriu seu saco e tirou vários paneiros cheios de doenças, receitas e atestados médicos, contemplando todos os vereadores ressarcidos. Tinha até atestado de ginecologista e pediatra para muito edil marmanjo. Jogou todos os paneiros dentro do plenário da Câmara e resmungou:

- Aqui, os únicos sadios são o Jefferson Peres, o Aloysio Nogueira, a Vanessa, o Serafim Correa e mais uns dois ou três. O resto é tudo ressarcido.

As Amazonas

E lá se foi o bom velhinho com o saco já meio vazio em direção à sede do Poder Judiciário. Parou. Olhou com tristeza e pensou: "Como é que eles puderam fraudar as esperanças da população impedindo a investigação nas contas do César Bonfim e dos ressarcidos?". Deixou na porta do tribunal o texto de uma emenda constitucional prevendo o controle externo do Judiciário.

- Minha Santa Etelvina! Esqueci os presente para a família Lins! E agora? O que é que vou dar para o Átila, o Belarmino, o José e os 125 membros da família que estão enquistados no Tribunal de Contas dos Municípios?

Papai Noel decidiu ir ao Amazonas Shopping com o objetivo de adquirir algum presente para os Lins. Na Praça Vitória Régia encontrou o que procurava: quadros do pintor Roland Stevenson, retratando as mesmas índias há mais de vinte anos, nas mesmas posições, com arco ou remo nas mãos.

Segundo a lenda, as Amazonas despeitadas cortavam um dos seios. No entanto, Stevenson parte de uma instigante pergunta para construir sua tese "científica": por que Fafá é Fafá de Belém e não Fafá de Curitiba? Porque nasceu em Belém, que fica perto de Nhamundá, onde Orellana conversou com as Amazonas. Portanto - raciocina o pintor - Fafá de Belém é descendente legítima das Amazonas.

Com essa lógica cristalina inapelável -  a mesma usada para provar que os Ianomami são descendentes dos Incas - Stevenson pintou as índias Amazonas com dois peitões hiperbolicamente descomunais, fafazudos e empinados, capazes de hipnotizar o historiador Francisco Jorge. Visto no detalhe, você não sabe se é peito ou bunda.

- Pode embrulhar junto com aquelas flores de plástico made in Hong Kong.  Esses quadros são dignos dos Lins que, como todo mundo sabe, têm gosto artístico apurado. É um presente apropriado. Habituados  a mamar nas tetas do Amazonas, os Lins vão deixar em paz os poderes públicos quando começarem a mamar nos peitões das Amazonas. Posto que são vorazes, elas ficarão sem peito, corrigindo-se dessa forma o erro do pintor Stevenson, comentou Noel, deixando os quadros na porta do TCM.

Já cansado, Papai Noel distribuiu indiscriminadamente os últimos presentes para a população amazonense: o cd "Porto de Lenha" do Torrinho, o "Reggae por nós" do Cileno e fitas gravadas com músicas do Pereira, Carlito Ferraz, Paulinho Kokai, Lucinha Cabral, Célio Cruz, Candinho & Inês e outros inscritos no Conselho Regional dos Músicos presidido por Betão Gomes.

- Esse povo triste e anêmico, embora não o saiba, precisa de música. Só a música pode salvá-lo - filosofou Papai Noel. E acrescentou:

- Música, poesia e muito sangue bom!

Por isso, a caminho do aeroporto, onde tomaria seu avião para a Finlândia, Papi Noel parou na Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas - o HEMOAN - um hino à beleza da vida. Atendendo ao apelo da diretora geral, Leny Passos, Papai Noel doou seu sangue ao povo amazonense. Quem sabe, fortalecido assim com a hemoglobina e o ferro do Noel, em 1994 a gente nega a morte, afirma a esperança e aprende a escolher melhor os nossos representantes? Quiçá, quiçá, quiçá.

P.S. - Atenção! Atenção! Urgente! Os amazonenses acabam de obter um presentaço de natal. O senador Di Carli anuncia, no único gesto de lucidez em todo o seu mandato, que abandona a vida pública e não é mais candidato. Que Amazonino Mendes e os vereadores ressarcidos sigam o seu exemplo são os votos sinceros desta coluna. Feliz 1994 a todos os leitores que nos acompanham.  

 
 

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