CRÔNICAS

Fama mãe do Cronopinho: a fominha do Totose

Em: 08 de Janeiro de 1996 Visualizações: 8170
Fama mãe do Cronopinho: a fominha do Totose

Manaus. Meio-dia. Macaco assovia, panela no fogo, barriga vazia. Um sol quente de agosto, daqueles capazes de cozinhar cérebro de turista. O Colégio Dom Bosco começa a despejar centenas de alunos nas calçadas da Epaminondas. Entre eles, o nosso herói, de 8 anos, que espera a sua condução cercado de colegas da mesma sala.

Pais apressados e molhados de suor param em fila dupla e tripla, disputando com ônibus e outros carros um pequeno espaço para recolher seus filhos. De um deles, salta a nossa heroína, "a mãe". Olha para um lado, para o outro. Seus olhos brilham quando no meio daquele formigueiro humano consegue localizar o nosso herói. Parte pra cima dele, se derretendo toda:

- Tadê a toisa mimosa ta mamãe? Tá tum fominha, Totose, tá?

O "Toisa Mimosa" ficou gelado. Empalideceu. Fingiu que não era com ele. Olhou para trás na vã esperança de encontrar outro filho, um "Totose" qualquer disposto a assumir aquela deslumbrada maternidade. "A mãe", acreditando que ele não havia ouvido, insistiu, quase gritando, desta vez ainda muito mais tatibitate:

- Tchá tchum fominha, Tchotchose, tchá?

Aproximou-se e deu-lhe um beijo na bochecha, que estalou tão tragicamente identificador quanto o beijo de Judas em Cristo. Agora não havia mais dúvidas. Todo mundo tinha a certeza certa de que "Totose" ou "Tchotchose" era ele. Começava o seu calvário. "Pai, se é possível, afasta de mim essa mãe" - ele pensou. Mas seu pai, no volante do carro, não podia atender ao apelo.

Toisa Mimosa

Três mortes ocorreram naquele momento, sem esperanças de ressurreição. O "Totose" estava sim, morrendo de fome. Mas antes disso, morreu de vergonha, porque todos os seus colegas morriam de rir dele.

No dia seguinte, não teve um minuto de descanso. A canalha encarnou. Durante as aulas, circulou um papel com a frase: "Tá tum fominha, Totose, tá?". A turma inteira gozava o nosso herói. A professora tomou o papel de um do alunos pensando que fosse "cola". Leu a frase em voz alta. Perguntou:

- Quem é Totose?

Todos os olhares convergiram para ele, que foi obrigado a se identificar uma vez mais.

Em casa, procurou o irmão mais velho, de 10 anos, para uma conversa séria.

- Paulo, fala pra mamãe não fazer mais isso. Fica feio. Diz pra ela que eu morro de vergonha. Por que ela não fala direito como a mãe de todo mundo? Por que não me chama pelo meu nome? Bastava perguntar discretamente: "Sérgio, meu filho, você está com fome, está?". Agora, meu apelido no Colégio ficou sendo Totose. Quando querem debochar ainda mais chamam Tchotchose ou "Toisa Mimosa".

Parece que o irmão convenceu a mãe. Ela nunca mais repetiu a dose. O "Totose" com o tempo continuou "tum fominha", mas acabou perdendo o apelido, cresceu sem maiores traumas, jamais procurou um analista e hoje desempenha suas funções como brilhante professor da Universidade do Amazonas. Será que quando tiver filhos vai chamá-los de "toisinha mimosa"? É bem capaz.

Maurinho, o irmão menor, já escaldado com a experiência, se impôs, de saída, e exigiu: "Não quero ser Totose". A mãe concordou, mas para desespero dele passou a ser o "tchubi-tchubi da mamãe". Uns choram de barriga cheia, outras com ela vazia. A irmã deles até hoje faz análise com célebre psicanalista de São Paulo, porque nunca foi chamada de "tchubi-tchubi", nem de "totose", sempre foi apenas Ana Paula.

Cronópios e famas

Relação parecida a do Tchotchose com sua mãe foi explorada pelo escritor argentino Julio Cortazar, em relato curto intitulado "Educação de Príncipe", publicado em seu livro "Histórias de Cronópios e Famas". Para o autor existem três tipos de seres humanos: os cronópios, os famas e as esperanças, cada um com suas características, formas de vestir, de falar e de se relacionar com o mundo. Inventou uma nova linguagem, em que esses seres se cumprimentam dizendo:

- Boas salenas!

Cronópios não costumam ter filhos, mas quando os têm enlouquecem e agem de forma estranha, ficam deslumbrados com o Cronópio Júnior que para eles é beleza pura, encharcado de arte, poesia, musicalidade, enfim, um gênio. Então, os cronópios se inclinam diante da cria dizendo-lhe palavras carregadas de elogios, encômios e loas.

O cronopinho, é claro, odeia minuciosamente o cronópio pai. Quando chega a idade escolar, a criança, matriculada no primeiro ano, fica feliz entre outros pequenos cronópios, famas e esperanças. Mas começa a se agitar à medida que o meio-dia se aproxima, porque sabe que seu pai o estará esperando na hora da saída, e que ao vê-lo levantará os braços e dirá frases como:

- Boas salenas, cronópinho, o mais lindinho, o mais crescidinho, o mais fofinho, o mais elegante, o mais respeitoso e o mais inteligente de todos os alunos.

Diz Cortázar que, com isso, "os famas e as esperanças se dobram de tanto rir na beira da calçada e o cronopinho odeia seu pai e acabará sempre por pregar-lhe uma peça entre a primeira comunhão e o serviço militar. Mas os cronópios não sofrem demais por causa disso, porque também eles odiavam os pais e até parece que esse ódio é o outro nome da liberdade ou do vasto mundo".

P.S.1 - Esse é o Serviço de Amplificação "A Voz Quermesse de Aparecida". Alô, alô Hugo Reis! Alô, Alô Hugo Reis! A você que se encontra passeando neste arraial, sua cunhada Rosilene oferece a melodia "Adeus, Manaus" de Waldick Soriano e manda avisar que o Rio de Janeiro continua lindo e que o Cristo Redentor espera vocês de braços abertos: você, Renilda, Helga,Hélia, Huguinho, dona Maria Edina e o Drágon.

P.S. 2 - Hugo, maninho, desculpa o vexame, mas tua cunhada exigiu o envio do recado. Na verdade, ela desmunheca mais do que a mãe do Totose. Te previno: a Rose mudou muito depois que cursou pós-graduação em Massagem e Técnicas Corporais Contemporâneas na Universidade Gama Filho. Agora, só anda vestida de branco como médica. Está boçal que dói. Humilha os pacientes, enche a boca dizendo que estudou reflexologia podal e auricular, anatomocinesiologia, fisiologia sistêmica, drenagem linfática e outros babados. A massagem é boa, mas a mensagem é "dose".

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1 Comentário(s)

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José Cleomar Cyrino comentou:
21/10/2017
Prezado, não quero queimar ninguém não, mas informo que até hoje a mãe de um secretário do prefeito Arthur Neto chama o seu filho de "Tilidinho da mamãe".
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