CRÔNICAS

Belão na Bica: Pirarucu de casaca vira bacalhau?

Em: 19 de Fevereiro de 2006 Visualizações: 7270
Belão na Bica: Pirarucu de casaca vira bacalhau?
Briga feia entre o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, Belarmino Lins, codinome Belão, e seu colega de partido (PMDB), Francisco Balieiro - o Cisco Bala. Os dois deputados, que disputam os votos do Alto Solimões, se engalfinharam num arranca-rabo que só ficará definitivamente esclarecido, depois que ambos forem submetidos ao famoso “Teste da Bica”.  
O certo é que Belão estava fulo de raiva, com a careca rubra, as narinas dilatadas e as orelhas abertas como dois abanos. Buscou palavras no seu repertório de injúrias para ofender seu colega: patife, safado, cafajeste, canalha, biltre, pulha, calhorda, pústula, sacripanta. Mas era pouco. Foi aí que descobriu, finalmente, uma palavra mais forte que, para eles dois, condensava o pior dos insultos. Babando bílis, Belão berrou bravejante:
- Índio!!!  

Não sei se o canal local da TV ALE, conhecida como “TV Coça-o-saco”, guardou a cena em seus arquivos, mas os jornais impressos registraram tudo. Uma testemunha disse que Belão parecia cachorro latindo no buraco do tatu, botava espuma pela boca e chocolate pelo pé. Ele repetiu a ofensa agora com seis pontos de exclamação:
– Índio!!!!!!.
Podia até ser um elogio, se o contexto fosse uma amigável conversa entre antropólogos, que conhecem os índios. Mas não foi. A cena ocorreu, há dias, numa sessão ordinária – bem ordinária - da Assembleia Legislativa. Acusado de “autoritário” pelo colega, Belão teve a deliberada intenção de ofender:
- “Índio! Vai cuidar da festa dos índios, vai!”.
Quis humilhar e o pior é que conseguiu, porque o outro, igualmente ignorante, se sentiu humilhado, diminuído, ultrajado.
O gringo abestado
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) protestou, com justa razão. Considerou, em nota oficial, que “foi uma forma de debochar e desrespeitar os povos indígenas”. O fato é grave, porque ocorreu em recinto público de uma casa legislativa de um estado povoado por índios e cabocos.
Por que deputados eleitos com os votos da cabocada do alto Solimões e, inclusive dos Ticuna, usam a palavra “índio” de forma depreciativa? Por que morrem de vergonha de sua caboclitude? Por que negam suas raízes indígenas? O mais extraordinário é que Belão e Cisco Bala não passam no decisivo “Teste da Bica”, levam pau logo na primeira fase.
A alienação de Belão é tamanha que suas referências são todas da Memérica, desde o dia em que nasceu. Ele diz que veio ao mundo em 5 de novembro, “três semanas antes do Dia da Ação de Graças e cinco dias depois do Halloween” (Halloween é o cacete!). Nessas duas festas, Belão troca o tambaqui na brasa por peru e miúdos de porco. De sobremesa, ´cheesecake´, em vez de cupuaçu.
Tacacá, nem pensar! Só toma tacacá escondido, privadamente. Belão acredita que tudo o que vem de fora é “cultura universal”, é “progresso”. Por isso, copia, imita e macaqueia. Entulha sua casa com aparelhos eletrônicos de Miami. Visita a Disneylândia e se sente “o gringo”. Em vez de Belão, queria ser The Great Beautiful. Jura que é descendente de alemão. Na pele de gringo, despreza o índio. Com todo respeito, é um abestado.
Cacholeta na certa
Com todo o respeito, Belão é também um ignorante, epistemologicamente falando. Ele acha que os índios são “atrasados”. Desconhece a contribuição dada à humanidade pelas culturas indígenas da Amazônia. Não entendeu que defendemos os índios não porque são “coitadinhos”, mas porque a nossa sobrevivência depende dos saberes que eles produziram.
Essa incapacidade do Belão tem razões de ordem “picicológica”. Ele não consegue penetrar nas sofisticadas culturas indígenas e realizar com elas ricas trocas de experiências humanas, por causa de um trauma de infância, que me foi contado por uma cunhada do tio da vizinha da prima da dona Dionísia, que é secretária dele, Belão.  
Quando criança, Belão – aliás Belinho - tinha as orelhas bem abertas, em forma de abano, o que lhe valeu o apelido de “açucareiro”. Nessa época, conviveu com um índio Ticuna, de nome Füpeatucü, que hoje mora em Fonte Boa. Füpeatucü vivia dizendo:
- Tua braguilha tá aberta.
Belão olhava pra baixo e – flapt! – o índio dava-lhe uma chicotada na orelha com o dedo indicador, dizendo:
- Cacholeta na certa.  
Outras pessoas seguiram o exemplo do ticuna. Belão recebia diariamente uma chuva de cacholetas e de “chás-de-burro” até de seus irmãos Átila e Conceição. Dessa experiência, ficaram as orelhas ardidas e uma grande mágoa. Será que é por isso que Belão odeia índios? Só quem pode explicar é meu amigo, o “picicanalista” Rogelio Casado.
O gajo alfacinha
Resta apenas uma dúvida: Belão é gringo disfarçado de caboco ou caboco fantasiado de gringo? No primeiro caso, quando berra “índio”, ele quer ofender a todos nós, amazonenses, mas se exclui. No segundo, se ele é mesmo um cabocão, então se trata também de uma auto-ofensa involuntária. Aí, ele está esculhambando a si próprio e temos que defendê-lo contra seus próprios insultos.
Decidimos tirar a dúvida, aplicando o “Teste da Bica”, muito mais seguro que o “Teste do DNA”. A denominação é uma homenagem ao Armando Português, dono do Bar da Bica, na praça São Sebastião. Ele é o único europeu de Manaus que há 50 anos faz um esforço danado pra virar cabocão. Atravessa vários espaços. É cidadão intercultural, transcabocal e transnacional. Por isso, tem legitimidade pra ser juiz de identidades.
Mostramos foto do Belão vestido de branco, com vela, missal e terço na mão, no dia de sua primeira comunhão. Perguntamos:
- Armando, esse gajo é um alfacinha, lá da terrinha? Ele é mesmo europeu?
Após cuidadoso exame, o portuga respondeu:
- Não, o gajo é cabocão.
Examinou outra foto atual, em que Belão está de terno e gravata, num dia em que fez exame de fezes. Enigmático, Armando sentenciou:
- O pirarucu, por estar de casaca, não vira bacalhau. Continua pirarucu.
Sábio Armando! Se quiseres repetir o teste nesse carnaval, leitor (a), vai ao Bar da Bica e mostra ao Armando fotos do Belão ou de qualquer um de seus sobrinhos, irmãos, primos, cunhados, sogra, papagaio e periquito que foram contratados pelo Tribunal de Contas – o famoso Tribulins. Os resultados serão sempre os mesmos:
- Os gajos são cabocões - Armando dixit.
Na verdade, só o olho clínico do Armando Português consegue perceber essas diferenças. Estudos recentes de imunologia, hematologia e biologia molecular, encarregados de determinar o patrimônio genético da humanidade, mostram que é impossível classificar as populações humanas em raças homogêneas. A diversidade é muito maior dentro de um grupo, entre indivíduos da mesma aparência e etnia, do que de um grupo para outro.
Se o Belão soubesse disso, não ficava falando besteiras que se aproximam muito de teses racistas. Afinal, um presidente de uma Assembleia Legislativa, que pretende representar o povo amazonense, tem de ter compostura. Se não tiver, teste da bica nele!

P.S – Belão, mano velho, desculpa o mau jeito, mas quem agride índio, leva balaço. Não depende mais da minha vontade. O gatilho dispara automaticamente. Além do mais, se o resultado do “Teste da Bica” é correto, me agradece, porque estou te defendendo de ti mesmo..

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