CRÔNICAS

Ao eleitor de Alckmin: sei de onde veio o dinheiro

Em: 22 de Outubro de 2006 Visualizações: 7825
Ao eleitor de Alckmin: sei de onde veio o dinheiro

Obs: Se você vota no Lula, por favor não leia, não se intrometa na conversa particular entre esse que digita essas mal traçadas e os eleitores de Alckmin.

Companheiros Alckmistas,
Peço licença para tratá-los, fraternalmente, de ‘companheiros’, afinal vocês desejam o melhor para o Brasil, da mesma forma que nós, eleitores do Lula. Vocês e nós, nós e vocês, queremos viver em paz, num país livre em que o pão, o trabalho, a festa e a honradez encham, com fartura, o prato de todos. Essas são as nossas convergências. É aí que somos companheiros. Estou certo ou estou errado?
Existem outras afinidades. Nós, eleitores de Lula, também estamos indignados com mensalão, valerioduto e outros delitos cometidos por gente ligada a esse governo. Pra falar a verdade, ficamos envergonhados, porque pensávamos que, nesse aspecto, o governo que elegemos seria diferente. Por isso, achamos procedente a pergunta do Alckmin: de onde veio o dinheiro destinado a comprar o dossiê contra José Serra?
Essa pergunta vai dominar a disputa eleitoral nessa última semana. Ela será repetida exaustivamente na mídia. O deputado José Carlos Aleluia (PFL - viche, viche!), aquele do peixe-no-prato-farinha-na-cuia, já confirmou de forma ameaçadora que Alckmin, antes das conclusões da Polícia Federal e mesmo sem provas, vai crucificar o Lula, dizendo que o dinheiro saiu da campanha dele. Terá para isso o apoio pesado da mídia.  
E é aqui que começam nossas divergências. A luta contra a corrupção não deve ser travada apenas em período eleitoral, com objetivo de ganhar votos, porque isso cheira a oportunismo. É preciso que o combate se prolongue em todos os momentos e lugares e que se generalize para todo dinheiro sujo. Caso contrário, não passa de retórica vazia, casuística, que acirra os ânimos e animaliza as pessoas.  
Foi o que aconteceu na segunda-feira de madrugada, no Leblon, Rio de Janeiro. Dois casais chegaram ao bar Jobi com a camiseta “Lula Sim”, e foram xingados com vaias e gritos de “mensaleiros, ladrões, corruptos”. Houve briga. Uma jornalista pro-Alckmin, de 39 anos decepou com uma dentada a falange do dedo anelar de uma publicitária de 38 anos, eleitora de Lula. O cirurgião que atendeu a moça disse que mordida como aquela “só mesmo pitbull, já que parte do osso foi retirada”.
Quem tem razão não é quem morde mais forte. Chamar Lula de ladrão equivale a achar que FHC é corrupto por causa da compra de votos de deputados para sua reeleição. Ou considerar o PSDB um covil de bandidos, porque seu presidente na época, Eduardo Azeredo, inaugurou o valerioduto em Minas. Ou condenar Barjas Negri, ex-ministro da saúde do FHC, porque seu amigo Abel Pereira recebeu propinas. Ou crucificar Alckmin porque sepultou mais de 60 CPIs. A lista é interminável. De ambos os lados.
Se Alckmin quer mesmo saber a procedência do dinheiro do dossiê contra Serra, basta perguntar aos amigos dele de onde saiu a grana que comprou a reeleição de FHC. A origem é a mesma. O professor de filosofia da Unicamp, Marcos Nobre, em artigo na Folha de São Paulo, deu uma pista: nos dois casos, o dinheiro veio de um sistema político decrépito, podre e fedorento, que nem FHC nem Lula quiseram ou puderam modificar. Ambos, ao invés de reformá-lo, a ele se adaptaram.
A antropologia social está tentando explicar porque existe corrupção. O antropólogo Marcos Otávio Bezerra, da Universidade Federal Fluminense, pesquisa o tema desde 1989. No seu mestrado discutiu “A prática da corrupção no Brasil: um estudo exploratório de antropologia social”. Sua tese de doutorado se transformou num livro intitulado: “Em nome das ‘bases’: Política, clientelismo e corrupção”. Aprofundou a questão num pós-doutorado na França, na Ecole Normale Superieure.
Bezerra descreve os mecanismos usados por políticos e empresários. Ele analisou casos de corrupção municipal e nacional, explicando a ligação que existe entre o comportamento político e as práticas consideradas como corruptas e corruptoras. Mostrou a rede de relações de interdependência mantidas entre políticos locais e nacionais, em função do acesso aos recursos financeiros da União.
Essa história de que todo mundo é corrupto, de que a corrupção faz parte da natureza humana ou de que é uma marca cultural do Brasil – tudo isso é papo furado, segundo Marcos Bezerra. Ele demonstra que a corrupção é prática de uma minoria dentro da sociedade brasileira e que a maioria não rouba (ou seja, nós, eleitores de Lula e de Alckmin). Quem inventou essa história de que todo mundo é ladrão foram os próprios corruptos, que dessa forma querem legitimar a sua conduta.
Segundo Marcos Bezerra o funcionamento do sistema político ou administrativo, tal como está organizado, favorece a prática corruptora. Portanto, de nada adianta trocar pessoas, se os mecanismos permanecem os mesmos. Novos corruptos aparecerão. A corrupção se combate, fundamentalmente, punindo os transgressores, é verdade, mas especialmente transformando o sistema. O que interessa, além da esfera criminal, é reformar a estrutura política que produz o dinheiro sujo.
Talvez a principal conclusão do antropólogo seja aquela que se refere ao seguinte dilema: quem vota as medidas para a reforma do sistema são precisamente aqueles que no exercício da atividade política se beneficiam dele e por isso não querem mudança. Daí, a necessidade de mobilização da sociedade. Se não houver pressão efetiva da população, não haverá mudança no sistema que favorece a corrupção.
Alckmin e seus acólitos vão passar a semana inteirinha martelando: de onde veio o dinheiro?  Se você considera Alckmin a melhor opção pro Brasil, tudo bem. A gente se separa aqui e se une em 30 de outubro para exigir, de quem ganhou, mudanças no sistema. Mas sobre a origem do dinheiro sujo, a pergunta vale pros dois.  Ambos atuam dentro do mesmo sistema. Qual é, então, a diferença entre eles?  
O bispo do Araguaia, Pedro Casaldáliga, com voz profética, justificou seu voto em Lula: “São dois projetos diferentes. A candidatura Lula constitui um espaço popular, ambíguo e confuso, com muitas falhas, é certo, mas um espaço ainda aberto para as reivindicações do movimento social. A candidatura Alckmin é um espaço claramente neoliberal, a serviço das elites, uma continuidade daquilo que conhecemos há 500 anos. O modo como estão atuando os grandes meios de comunicação revela muito bem onde estão os interesses do tucano e a serviço de quem ele está”.
P.S. – Lula recebeu apoio, de enorme força simbólica, dos reitores de quase todas as instituições públicas de ensino superior. Entre eles, estava o reitor da UFAM, Hidembergue Ordozgoith Frota. Ordozgoith! Francamente, quem tem Ordozgoith, não perde eleição.

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