CRÔNICAS

O Senado e o casco de tartaruga

Em: 05 de Julho de 2009 Visualizações: 10347
O Senado e o casco de tartaruga
Cada vez que fico numa encruzilhada, perdido e embananado, sem saber qual caminho trilhar, me pergunto: o que fariam os índios se estivessem no meu lugar? Nunca falha! Funciona como a bíblia para os crentes. Encontro sempre respostas satisfatórias, confirmando que as culturas indígenas possuem a chave para a solução de inúmeros problemas que afligem a humanidade.
O Brasil pode aprender muitas lições com os índios. Mas será que eles conseguem, por exemplo, nos ajudar a extinguir a podridão e o fedor exalado por nossas desacreditadas instituições democráticas? Estamos todos desencantados, confusos, sem esperanças, diante do esgoto a céu aberto do Senado da República. É uma cloaca, um penico. Diariamente, vaza pus por tudo que é lado. Cadê os índios para nos iluminar?
Estão aqui. Os Ticuna acumularam experiências históricas capazes de combater, com eficácia, as ratazanas bigodudas que nos dias atuais atacam vorazmente o Senado. Quem nos conta é um médico alemão, Robert Avé-Lallemant, que no século XIX viajou por alguns países da América do Sul e pelo Brasil, visitando, em julho de 1859, as aldeias indígenas do Alto Solimões.
No livro intitulado “No Rio Amazonas”, ele descreve sua passagem por Tabatinga, nos limites do Brasil com a Colômbia e o Peru, ali onde o vento faz a curva e o diabo perdeu as botas. Nessa época, a região, que ele chama de “fronteira da humanidade”, estava infestada por milhares e milhares de ratos. Mas não eram apenas ratinhos, catitas, camundongos. Não! Eram “verdadeiros bandidos, muito mais finos que os ratos comuns”, vorazes, gulosos e insaciáveis.
Esses invasores se escondiam nos vãos dos telhados de palha, nas frestas das paredes, em tocas, buracos e corredores subterrâneos e de lá investiam para assaltar roças e saquear mantimentos guardados nas moradias, disseminando a fome nas aldeias. Os índios não sabiam mais o que fazer para exterminá-los. A guerra contra o exército de ratos teve várias batalhas, passando por três fases: prisão, pena de morte e blindagem. Podemos aprender bastante, acompanhando essas experiências.
A prisão
Os Ticuna procederam, inicialmente, da mesma forma que a Polícia Federal faz com os ladrões: a algema, a cadeia, o xilindró. Para isso, armaram dezenas de ratoeiras em cada casa. Não deu certo, porque a armadilha só capturava ratos pequenos, catitas e camundongos. As ratazanas, bigodudas e gordas, algumas medindo até 40 cm, continuavam soltas, fazendo estragos na roça e comendo a farinha dos índios.
É que suas longas vibrissas, chamadas popularmente de “bigodes”, constituídas por pêlos sensoriais, funcionavam como antenas. Dessa forma, escapavam das ratoeiras com desenvoltura e agilidade, como se essas vibrissas as tornassem íntimas de algum ministro do STF, facilitando a obtenção de hábeas-corpus preventivo. Ratoeira desativada: banqueiro desalgemado, ratos impunes.
Essas ratazanas orelhudas e de longos focinhos migraram para a Amazônia, clandestinamente, escondidas nos porões dos navios a vapor, num dos quais viajou o médico alemão. Elas rapidamente se adaptaram ao ecossistema local, desenvolveram hábitos semiaquáticos e proliferaram na Amazônia, consumindo uma grande diversidade de alimentos produzidos com muito suor. Já que não foram aprisionadas pelas ratoeiras, os Ticuna optaram, então, pela execução sumária, sem direito à defesa.
A pena de morte
Usaram o método chinês: uma bala de fuzil na nuca do ladrão. Manja o ‘chumbinho’, aquele veneno de rato que contém acetilcolinesterásico? Pois é, os Ticuna testaram o produto, que também não deu certo, porque matava alguns ratos, é verdade, mas também muitos inocentes, incluindo animais domésticos e até crianças. Tiveram que abandonar o veneno, que não distinguia o bandido do mocinho.
Decidiram, então, usar bordunas. Focavam a cara do rato com lanterna e – plaft – davam-lhe uma cacetada, matando-o a pauladas. Acontece que caceteavam um agaciel aqui, um zoghbi ali, um barbalho acolá, um collor mais adiante, e pouco adiantava, porque eles se multiplicavam rapidamente. É que os ratos defuntos deixavam fêmeas grávidas, cujo período de gestação é de apenas 21 dias e são capazes de engravidar novamente, no mesmo dia em que nasce a primeira ninhada.
Cada vez que feriam mortalmente um calheiros, em seu lugar emergiam filhos e netos de sarneys e ambos, embora feridos mortalmente, deixavam ninhadas de 10 a 15 filhotes, que nasciam sem pelos, com os olhos fechados e sem unhas, mas em menos de uma semana já estavam com olhos bem abertos e unhas afiadas, devorando com voracidade os mantimentos da comunidade.
Foi aí que os índios Ticuna descobriram que eram muitos agaciéis, muitos zoghbis, muitos sarneys e calheiros para tão pouca ratoeira e tão pouca borduna. Não bastava prender, nem matar, porque a prole era numerosa e se multiplicava. Era preciso blindar os alimentos, criando mecanismos que impedissem o acesso dos ratos a eles.
A blindagem
O médico alemão Robert Ave-Lallemant, que entrou nos tapiris dos índios para tratar os doentes, observou que lá não havia mobília.“Os Ticunas não têm armários para resguardar suas minguadas provisões” – ele diz, descrevendo como “os índios penduram seus poucos mantimentos em cordões de tucum”, que desciam do teto, mas “os ratos sobem pelas paredes e telhado e descem pelos cordões até eles”. O que fazer para impedi-los?
O médico narra, então, a estratégia de blindagem que deu certo: “Os Ticunas recorreram a uma técnica simples, mas engenhosa. Fazem um furo bem no meio dum casco de tartaruga, de maneira que fique, horizontal, pendurado na ponta dum cordão. Debaixo desse teto protetor penduram os seus escassos víveres. Os ratos podem subir ao telhado e descer até ao casco de tartaruga, de onde, porém, escorregam, assim que se aproximam da borda, caindo no chão, sem ter podido chegar até às provisões. O processo é extraordinariamente prático”.
Prender e matar os corruptos, portanto, não basta. Eles proliferam. Essa conclusão dos Ticuna sobre os ratos que comiam suas farinhas é, aliás, a dos atuais especialistas em antropologia da corrupção. O pesquisador Marcos Bezerra, que analisou o caso Coroa Brastel e estudou a documentação do Congresso Nacional e das CPIs, acha que a corrupção não é fruto somente da conduta desviante de pessoas ou da ação de quadrilhas como sugerem as interpretações moralistas.
A corrupção – diz o antropólogo - é filha das instituições e de mecanismos sociais como o parentesco, o nepotismo, a amizade, o compadrismo, as alianças políticas, a troca de favores, o clientelismo e a impunidade, incorporados ao modus-operandi do Estado. Por isso, punir corruptos sem desmantelar esses mecanismos equivale a enxugar gelo. Não precisamos de sarneys honestos - o que é impossível, mas de cofres com trancas - o que é viável. Precisamos de tobogãs de casco de tartaruga que impeçam os guabirus de comerem a farinha comunitária. Essa é a lição dos índios e dos antropólogos.
P.S. – Votei sempre no Lula, mas agora morro de vergonha do apoio que ele e o PT – partido que ajudei a fundar – estão dando para a corja do Sarney et caterva. No lugar de proteger as instituições com cascos de tartaruga, blindaram o PMDB (vixe, vixe!) do Sarney. Ninguém engole essa história de que punir corruptos afeta a governabilidade ou é um golpe do PSDB que, aliás, votou no Tião Viana (PT) para presidir o Senado. Se o PT ouvisse o que estou ouvindo nas salas de aula, nas ruas, nos ônibus e supermercados, saberia que vai pagar caro por isso. Quem viver, verá. Aguardem as eleições de 2010.

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3 Comentário(s)

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EVANDRO comentou:
25/05/2011
muito interessante,que tal vc se candidatar a exterminador das catitas e das gordas ratazanas no plenario...sendo um la dentro ou sera vixe!vixe!
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bthepwn comentou:
08/12/2010
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jorkyi comentou:
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